segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Informationalism, Networks, and the Network Society: a Theoretical Blueprint

Um dos primeiros textos que tive que ler para a cadeira de Dinâmicas Sociais da Internet foi este "Informationalism, Networks, and the Network Society: a Theoretical Blueprint", de Manuel Castells, que abre o volume mais vasto "The Network Society: a Cross-cultural Perspective".

É um pedaço de texto que vale a pena ler por quem se interesse por estas questões das novas tecnologias de comunicação e da forma como elas interagem com a sociedade, para ficar a perceber o que realmente está em causa! Aliás, tenho lido muitos textos sobre o tema, mas este foi certamente um dos que melhor explorou essa problemática nas suas múltiplas variantes. Procuro muitas vezes uma visão holística das questões que analiso. E, desse ponto de vista, este texto forneceu-me ideias muito, muito interessantes.

Destaco algumas dessas ideias-chave.

Desde logo, a ideia de que estamos a passar de uma sociedade dominada pelo "industrialismo" para uma outra dominada pelo "informacionalismo". Ou seja, estamos a mudar de uma sociedade piramidal para uma sociedade em rede. Até hoje, a informação fluía vertical e hieraquicamente através dos media tradicionais, hoje flui horizontal e democraticamente através da sociedade em rede. Bastaria isto para nos pôr a pensar. Mas há mais!

Actualmente, o que "é específico do nosso mundo é a extensão e aumento do corpo e da mente dos seres humanos nas redes de interacção através de tecnologias de comunicação baseadas na micro-electrónica e operadas por software. (...) Elas estão a convergir com novas tecnologias de engenharia genética" e estão a criar "uma nova estrutura social como fundação da nossa sociedade: a sociedade em rede."

A determinado ponto, Castells diz que "a capacidade reticular da capacidade de processamento distribuída e do desenvolvimento de software vai para além do limite das máquinas individuais e cria um sistema global, digital, de interacção homem-máquina, sempre pronto a funcionar." Estamos portanto perante um impulso historicamente incomensurável da nossa inteligência colectiva, a que chamaríamos, naturalmente, artificial. Ou seja, estamos a falar do "global brain" de que tanta gente tem falado, incluindo Jeremy Rifkin.

No novo paradigma colectivo - que, recorde-se, serve um também novo paradigma social - a capacidade de recombinar a informação nos vários nós da rede é a fonte de inovação no novo sistema, o que tem como consequência lógica que todas as regras (incluindo a protecção de direitos) criadas no sistema comunicativo do industrialismo são limites é progressão da inovação e à implementação do novo paradigma comunicativo e do novo tipo de sociedade. São portanto elementos... conservadores.

Para Castells, a sociedade em rede é um produto - acidental - de três processos separados: a crise do industrialismo (que - outra ideia interessante - teve duas manifestações distintas - o capitalismo e o estatismo); os movimentos dos anos 60 e 70 orientados para a liberdade individual; e os avanços nas tecnologias de informação e comunicação. Essas origens são aliás vistas como explicações para o ethos na nova sociedade em rede.

Outra coisa que Castells nota, com grande acutilância, é que estas tecnologias de comunicação são, necessariamente, globais e que portanto a sociedade em rede que se lhes associa é, também ela, global. E no entanto, os respectivos actores - as pessoas - são temporal e espacialmente localizados, cada um com a sua nacionalidade, cultura, língua, etc. Esta é uma contradição - uma "dissonância social", pode ser? -  interessante que mereceria ser mais estudada. Segundo Castells, a crise do Estado-Nação deriva em parte daqui. Aliás, as pulsões de agrupamento de estados - UE, por exemplo - derivam precisamente da intuição deste fenómeno. Mas isso, levar-nos-ia para outra discussão...

Por fim, Castells também percebe que o tripé Negócios/Política/Comunicação  (termos meus), que sustentava o mundo anterior à internet, está a ruir. Mas não é claro o que é que tomará o seu lugar. Castells usa o conceito de "criação de valor" para explicar como é que os media, as empresas e as instituições políticas actuavam em conjunto para manter um determinado "status quo". Obviamente, esse "acordo" está posto em causa (uma das razões: por causa da falência do Estado-Nação), mas Castells não arrisca uma resposta: a questão do valor "não tem uma resposta definitiva na sociedade em rede".

Gostaria de ter visto esta secção do texto mais clara, uma vez que me interessa muito a questão da atribuição de valor no novo panorama comunicativo. Parece óbvio que terá havido, em todas as fases anteriores de evolução da comunicação social, um conluio entre as empresas, o poder político e os media para "fazer funcionar" as coisas. E também não custa compreender que a atribuição de valor fosse parte desse conluio, mesmo que inconscientemente (ou seja, ninguém pensa - nem o próprio empresário - que as notícias do jornal diário eram pagas para transmitir a ideia de que eram importantes, nada disso). O que me parece - e já escrevi sobre isso - é que tínhamos um modelo de negócio perfeitamente montado para a realidade comunicativa anterior. E não temos nenhum para a nova. Provavelmente, a estruturação do modelo de negócio dos media pré-internet evoluiu em função das tecnologias que criaram esse modelo, tal como outro modelo de negócio virá a evoluir da estruturação do sistema de comunicação pós-internet. O que Castells sugere é que pode acontecer que o sistema capitalista seja impotente para o fazer (ainda vivemos em capitalismo, diz Castells. Ainda...). Isso hoje não parece estar ao virar da esquina, mas, tendo em conta a magnitude das mudanças em curso, é bem possível que até o capitalismo venha a ser afectado por elas. Aliás, nesta dicotomia, ganham novo relevo as tentativas das instituições oficiais, propagadas pelos media, de limitar o alcance das novas tecnologias sob o pretexto de ameaças à privacidade ou aos direitos de autor. Essa é uma guerra (a palavra neste contexto faz todo o sentido) latente.



Duas discordâncias apenas em relação a este texto de Manuel Castells.

Primeira e menos importante: Castells vê a engenharia genética como uma parte da revolução que está em curso nas tecnologias de informação e comunicação. Na verdade, problematizar a engenharia genética neste âmbito é algo que faz todo o sentido. E não há muita gente a fazê-lo. Craig Venter já falou várias vezes do impulso dado pelas tecnologias de informação ao estudo da genética. Mas, ao contrário de Castells, eu não acho que a genética seja parte da revolução em curso; o que acho - eu e certamente alguns autores que eu ainda não descobri... - é que ela "beneficia" desses avanços da tecnologia para dar os seus próprios passos no avanço do conhecimento. As tecnologias de informação são instrumentais - e não centrais - para o avanço da genética.

A genética, como aliás outros ramos do conhecimento, continuará a progredir tanto mais quanto mais "inteligentes" forem todos os processos que lhe são conexos. Ou seja, uma humanidade mais "inteligente" irá progredir em todos os campos e não apenas na genética ou na comunicação. E é neste ponto que também discordo - mais profundamente - de Castells quando ele afirma que "devemos desdenhar a noção de que a tecnologia ou a evolução social levaram inevitavelmente à sociedade em rede." Para Castells não há sentido pré-determinado da história e é por isso que cada sociedade se acha sempre a si mesma o clímax da evolução humana.  Talvez não haja um sentido pré-determinado da história; mas há certamente uma constante da história, que é a progressão da tecnologia (que aliás é um sub-produto da inteligência humana e da sua "acumulação"). Aliás, o próprio Castells afirma: "É verdade que tem havido uma tendência de longo prazo no sentido do desenvolvimento tecnológico que tem aumentado o poder mental da humanidade sobre o seu ambiente." Ora, é isso mesmo que está em causa quando falamos das novas tecnologias de informação. E, ao contrário do sugerido, isso não implica achar que a nossa sociedade é o clímax da evolução. Eu não acho nada disso! Muito pelo contrário: basta pensarmos na própria genética, na estimulação sensorial ao nível do córtex, na percepção sugerida ou nos mundos paralelos para percebermos que há muitas e mais impressionantes mudanças no nosso futuro do que nos nosso presente.

Seja como for, se todos os textos a estudar neste mestrado valerem um décimo do que vale este, já será excelente! Não sei o que vou fazer no futuro dentro do mestrado, mas uma coisa é certa: "Informationalism, Networks, and the Network Society: a Theoretical Blueprint", de Manuel Castells, vai andar sempre comigo!

Sem comentários:

Enviar um comentário