segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Do analógico ao digital

Um ponto de situação rápido sobre publicação de artigos. O estado da coisa neste momento é o seguinte: três artigos em língua portuguesa enviados para a OBS*, dois publicados, um recusado; um artigo enviado para uma revista estrangeira de topo recusado, depois reenviado para outra revista e presentemente em apreciação.
A notícia de hoje é muito boa e trata-se da publicação do segundo artigo resultante do mestrado na revista OBS*. E porque é que é uma notícia particularmente boa. Primeiro porque é um artigo que eu gostei muito de fazer e segundo porque é um artigo central na investigação que pretendo fazer e também - arrisco - no quadro analítico que é preciso ter para perceber na plenitude o que está a acontecer à produção, transmissão e consumo de informação no quadro da sociedade em rede. Quando abordamos numa perspectiva holista - como eu tentei fazer - percebemos que a passagem do analógico para o digital é o factor individual que melhor explica a multiplicidade de fenómenos sociais que eclodem à nossa volta na apropriação social das tecnologias de informação e comunicação. Não é o Google, nem é o Facebook, nem são os smartphones ou os tablets ou mesmo a internet - em sim mesma - que explicam essas transformações sociais (e económicas, e culturais!); é este simples facto da passagem do analógico para o digital. Por isso, compreender isto na plenitude é também, penso eu, uma condição para perceber verdadeiramente o que pode acontecer no futuro próximo. É em parte com base nesta reflexão que eu já tenho opinado que quem nos media continua a pensar em termos de "conteúdo" está a passar ao lado do problema. O "conteúdo" é incompatível com o digital. No mundo digital não existe "conteúdo" porque não existe "forma". E isso obriga-nos a repensar toda a questão. Eu percebi isso quando estava a fazer este trabalho e espero que quem o leia também perceba isso (se não perceber... é porque está mal escrito!).
Quando comecei a fazer o mestrado, não sabia que ia fazer este trabalho e nunca tinha pensado nele. Entrei no mestrado com um caminho teórico delineado. Só à media que ia estudando o assunto percebi que esta questão - a  passagem do analógico para o digital - devia ser considerada e, embora lateral ao corpo central da minha investigação, seria determinante do mesmo. Não é possível, por exemplo, pensar a questão do modelo do negócio dos media e do valor da informação sem considerar também, como pano de fundo, a migração da nossa civilização do analógico para o digital. Depois de fazer o trabalho (e até à medida que o releio) fico com a ideia que está é de facto um dos trabalhos mais importantes que fiz no mestrado. Se tivesse que começar de novo, talvez começasse por aqui...

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ainda faz sentido a actualidade das notícias?

Há poucos dias um video de Maria João Pires, confrontada com um concerto (ou um ensaio, já veremos) para o qual não estava preparada tornou-se viral nas redes sociais.
A história tinha começado num jornal inglês - The Telegraph - sem ser claro se era um acontecimento recente; e era acompanhada de um video - alojado no YouTube - que era um trecho de um documentário mais longo cuja proveniência também não era clara.
Depois de a história se tornar viral nas redes sociais, quase todos os media portugueses - e até alguns espanhóis  - pegaram no assunto (como se pode ver aqui) e, ou reproduziram a história ou reproduziram o video. Primeiro facto curioso: quase nenhum acertou nas circunstâncias em que o episódio ocorreu ou quando ocorreu: foi há um ano? foi há 3 anos? Na verdade, se estiver correcto o esclarecimento "histórico" deste post no Facebook, a coisa ocorreu há 15 anos (!!!) e foi num ensaio e não num concerto.
Obviamente que é curioso que os media vão atrás das redes sociais. Isso, em si mesmo, já é motivo de reflexão para quem trabalha nos ou estuda os media. Mas isso, sinceramente, já não é novidade! Tem acontecido recorrentemente a partir do momento em que o media perceberam que as histórias virais das redes sociais lhes podiam dar pageviews. Muitas pageviews!
O que é mais interessante é a forma como este e todos os casos semelhantes questionam o conceito de actualidade das notícias. Como se pode ver no post Facebook acima e nos respectivos comentários, o que está subjacente é uma crítica à "incompetência" dos media para tratarem, profissionalmente esta história (o que significaria, provavelmente, ignorá-la! Precisamente por causa da falta de "actualidade"). Mas eu acho que, a bem do debate, devíamos experimentar voltar a questão do avesso.
Tomemos-me a mim próprio como exemplo: eu não conhecia esta história. Nenhum dos media que li há 15 anos a reproduziu (que eu me lembre) e ninguém me a recontou nos últimos 15 anos. No entanto, eu achei a história fascinante assim que tive conhecimento dela. Por isso a reproduzi. Claro que se pode perguntar, neste ponto, se eu fui verificar a respectiva "actualidade". Mas isso é voltar a entrar na espiral do imperativo de "actualidade" que referi anteriormente.
Voltar a questão do avesso significa precisamente questionar: e se fosse a "actualidade" que estivesse errada? Porque razão é que seguimos o conceito de actualidade ao ponto de acharmos que  os media são ridículos quando saem da agenda da "actualidade"?
O "caso" Maria João Pires é apenas mais um que demonstra como actualmente a circulação de informação se faz independentemente do conceito de actualidade. O que obriga a questionar se os media devem, hoje, seguir o imperativo da actualidade. A passagem do analógico para o digital tem, entre outras consequências profundas, essa (que não o é menos): a informação digital está sempre disponível e portanto o "tempo" da respectiva circulação não pode ser controlado, nem pelos media, nem por ninguém. Este video e esta história de Maria João Pires foi viral hoje, aqui, mas nada impede que não volte a reemergir daqui a 5 anos ou daqui a alguns meses noutro "local" diferente ("local" está entre aspas porque no mundo digital não há "locais", mas apesar de tudo ainda há relacionamento sociais online geograficamente fundados, ou seja, as nossas redes sociais ainda tendem a ser predominantemente "locais").
As transformações em curso na distribuição de informação na sociedade em rede geram epifenómenos como o do ressurgimento momentâneo desta história datada da pianista Maria João Pires. Embora isso possa parecer estranho, agarrar-mo-nos a categorias do antigamente - como a de "actualidade" - para explicar os fenómenos, pode gerar mais confusão do que clareza. O conceito de "timeless time" de Castells há muito que explica como e porquê o "tempo" assume contornos diferentes na sociedade em rede mediada por computadores. Ora, se o tempo, pela evolução das formas de comunicar em sociedade, se altera na sua natureza, porque razão não se deveria alterar o conceito de "actualidade" a que os media estão aparentemente tão imperiosamente submetidos? Os media podem ir atrás das histórias virais para conseguirem pageviews. E podem fazê-lo com mais ou menos "elegância". Mas nunca perceberão o que realmente está a acontecer enquanto não perceberem as consequências práticas dos conceitos de "timeless time" e "space of flows". Há "novos media" que - sem os constrangimentos da "actualidade", entre outros - estão a ocupar esse "espaço".
No limite é possível que a aceleração exponencial do tempo gere no final a sua supressão, como propõe Harmut Rosa no livro "Social Acceleration". Um "frenetic standstill" em que tudo acontece a todo o tempo e portanto nada muda na realidade e nada tem um rumo. Ou seja, a pós-história ou o fim da história. Aliás, se pensarmos que - como eu aprendi com Marc Bloch - a história começou com a invenção da escrita (o registo analógico dos acontecimentos), é pelo menos plausível que o registo digital dos acontecimentos altere novamente o conceito de história. Mas isso, é outra discussão... (to be continued).

P.S. Para quem achar que estas ideias são arrojadas, tenho um desafio ainda mais arrojado e - este sim - verdadeiramente assustador! Experimentem reler os parágrafos anteriores e substituir "actualidade" por "veracidade"...

domingo, 20 de outubro de 2013

Mestrado, ano 2

Começou o segundo ano de mestrado. Depois de ter publicado aqui todos os trabalhos submetidos a avaliação no primeiro ano, tenciono fazer o mesmo no segundo ano. Este ano lectivo terá apenas 3 unidades curriculares - uma obrigatória, uma optativa metodológica e uma optativa livre. Todo o trabalho será dirigido à produção da dissertação de Mestrado.

A unidade curricular obrigatória - Dissertação em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação -  irá correr todo o ano e conduzirá a uma dissertação que será orientada pelo professor Gustavo Cardoso. O meu objectivo é fazer uma dissertação sobre "o valor económico e social da informação no quadro da sociedade em rede" e o que pretendo basicamente é tentar perceber se a transição para a sociedade em rede afectou o valor (económico e social) da informação e como. Será uma dissertação que começa por ser teórica, mas recorrerá à recolha de dados de várias fontes (secundárias e ou primárias) para produzir conclusões.
O projecto de investigação está descrito detalhadamente no trabalho sujeito a avaliação na cadeira de Desenho de Pesquisa, mas acho que anda não tinha publicado aqui este powerpoint que apresentei na aula e que basicamente resume aquilo que irei estar a estudar ao longo deste ano.


Os meus colegas e amigos jornalistas não irão gostar dos resultados esperados desta investigação, mas, em rigor científico e bom senso profissional, estes são mesmo os resultados que eu espero obter. Lamento pelo jornalismo e pelos jornalistas, mas espero que possa contribuir para ainda ir a tempo de despertar algumas consciências!
Como acho que já tinha escrito aqui, esta investigação começou por ser motivada pela procura de um novo modelo de negócio para os media. Mas entretanto tornou-se algo mais do que isso. As transformações em curso nas sociedades modernas são muito mais massivas do que isso! A desconstrução do modelo de negócio e da função institucional dos media tradicionais é apenas uma das suas consequências colaterais. É possível que venham a ser encontradas novas formas de institucionalizar a distribuição de informação em sociedade e até é possível que os jornalistas venham a ter um papel social relevante nessa institucionalização, mas isso será já num contexto radicalmente diferente daquele em que vivemos e (alguns de nós) trabalhamos.
Daqui resultará uma dissertação que terá no máximo 40 páginas, com um grande formalismo de apresentação, que será defendida num acto público perante um júri, à boa maneira académica.

Para a cadeira opcional de metodologias escolhi Análise de Redes em Ciências Sociais. Uma das partes do projecto trata precisamente disto e pretende analisar as redes sociais online como veículo de distribuição de informação e, ainda mais do que isso, tentar perceber de que forma o valor da informação aumenta ou diminui com a multiplicação de ligações permitida pela sociedade em rede. No trabalho para esta unidade curricular tentarei fazer uma aproximação a esse estudo. Obviamente é possível fazer um inquérito às pessoas e recolher a sua opinião sobre o seu próprio comportamento online, mas eu gostaria de ir mais além e de usar ferramentas e indicadores quantitativos para chegar lá. É para isso que quero esta cadeira.

Para a cadeira opcional livre ainda fui à procura de uma cadeiras que se chamava Corpos Tecnológicos, estive temporariamente  inscrito numa interessante cadeira de Vigilância, Controlo e Identificação (que acabou por não se realizar) mas só enquanto não tive a confirmação que me podia inscrever em Modelos de Negócio e Economia do Software de Código Aberto, do mestrado en Software de Código Aberto. Naturalmente, é uma área completamente deslocada das que tenho frequentado até aqui (os colegas vêm quase todos de engenharia informática!), mas daqui pretendo tirar pelo menos três coisas: primeiro, um melhor conhecimento teórico e práticos sobre a construção e avaliação de modelos de negócio, para depois poder usar na minha dissertação; depois, um melhor conhecimento dos modelos de negócio alternativos aos dos media tradicionais, muitos deles open source, de forma a poder comparar uns com outros. Esta é ate ao momento a cadeira onde ainda estou mais perplexo, mas confio que a coisa irá a bom porto.

Houve outras novidades ao longo deste meses, mas sobre essas falarei mais tarde noutros posts.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Liquid life » Liquid media » Liquid surveillance

 Este conceito de David Lyon - "Liquid surveillance" - é muito interessante e está bem explicado nesta interessante palestra o no livro com o mesmo título. Para Lyons, a cultura de vigilância que se está criar hoje em dia propaga-se - como um líquido viscoso - a todas as facetas do quotidiano.
O que me chamou à atenção foi que a mesma ideia de uma propagação líquida é expressa por Mark Deuze a propósito dos novos media e das implicações que eles podem ter no trabalho dos jornalistas. Deuze fala de "liquid media" e de "liquid work" como a forma certa de interagir com eles do ponto de vista dos jornalistas (algo que - como e notório! - ainda muito poucos jornalistas perceberam). Obviamente ambos vão buscar o conceito ao filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman, que fala de "liquid life" para a considerar um dos traços distintivos da modernidade.
Eu acho que aquilo a que eles chamam "liquid... all" é afinal uma manifestação da "pervasiveness" das novas tecnologias de informação e comunicação. O próprio conceito de "pervasiveness" não é fácil de traduzir e a aproximação de "ubiquidade"  [se alguém conhecer alguma tradução melhor, sou todo ouvidos!] não lhe faz justiça, porque não inclui a ideia de que é algo que "se imiscui" naquilo que toca. "Ubíquo" é algo que está presente em todo o lado; "pervasive" é algo que se "cola", que se "imiscui", que se integra em tudo o que nos rodeia. Aquilo que é ubíquo tem limites definidos; aquilo que é pervasive não tem limites definidos.
Eu percebo porque é que a ideia de uma "liquid life", "liquid media" ou "liquid surveillance" ganhou tracção no estudo destas matérias. Por oposição a uma natureza física, a natureza líquida é mais flexível, propaga-se mais facilmente, recobre os objectos e os seres. Mas, desse ponto de vista, porque não a metáfora do gasoso? Não seria mais adequada? O que acontece - parece-me... - é que a ideia de uma realidade líquida permite ainda assim perceber os limites das coisas, permite "ver" onde elas começam e onde elas acabam (para além de "liquid" dar melhores títulos que "gaseous"...).
Mas a verdade é que é mesmo isso. A metáfora certa seria "gasoso" e não "líquido"! Desde o telégrafo que a informação se transmite pelo ar. É "airborne". Os seus limites não são visíveis e muitas vezes não são determináveis. E isso claro que assusta. Sobretudo a capacidade de análise dos académicos. Mas cruze-se a informação "gasosa" com o digital e portanto com a computação (computação quântica,  já agora...) e teremos uma compreensão bastante aproximada de porque razão as tecnologias de informação e comunicação são "líquidas" e porque razão isso se reflecte na nossa vida social, no nosso trabalho, nos media, e também na vigilância. Porque não devemos esquecer - como muitas vezes fazemos - que informação é inteligência em estado de bit. Quando cruzamos informação com computação e a propagamos em estado fluído (líquido ou gasoso) ou em forma quântica, a "inteligência" recobre, naturalmente, todos as facetas da nossa vida individual e colectiva. Mas isso é outra discussão... to be continued.
Seja como for, os conceitos de Bauman, Deuze e  Lyon estão no caminho certo e são profícuos em termos das pistas de investigação que deixam para quem nelas quiser pegar. O que é importante compreender é que, nos tempos que correm, os media, o trabalho nos media e a vigilância - entre outras coisas - não podem senão ser estudados na sua natureza fluída. Ou seja, não podem (bem, podem, mas é um desperdício) ser estudados nos quadros sujeito/objecto (ou mesmo agente/agenciado) tradicionais. É por isso que o conceito de "conteúdo" é tão descabido, assim como todos os conceitos derivados, como o de propriedade do conteúdo. O mundo fluido da informação digital impõe uma outra abordagem. O mesmo, penso eu, se aplica ao estudo da vigilância.

E esse é o outro ponto que gostaria de abordar: no video citado acima, David Lyon vai no caminho certo ao notar que os mecanismos e ferramentas de vigilância estão cada vez mais incorporados e incorporadas nos media que usamos e na forma como os usamos. E que muitas vezes a vigilância (intencional ou inadvertida) parte de nós e não de entidades externas. Mas - parece-me - não tira a consequência lógica que essa abordagem impõe: os estudos de vigilância precisam de abandonar o paradigma de que alguém escuta e alguém é escutado. A informação fluída .. flui. E nalgum ponto desse fluxo, ela pode interessar a alguém, solta ou agregada. Combinada ou descombinada. Essa fluidez põe em causa o papel de quem escuta e de quem é escutado como põe em causa também - como sugeri atrás - os papéis de agente e agenciado. Em todas as facetas da comunicação moderna e portanto também no estudo da vigilância. Como é que coloca em causa esses papéis (compreendo bem as consequências cientificas do que está dito!) não sei e penso que deve ser estudado. Precisamente!
Por isso é me parece que a parábola preferida (e tantas vezes repetida)  dos estudiosos da vigilância - o "1984" de George Orwell - falha a percepção essencial do carácter líquido das novas formas de vigilância. E por isso é que, como já escrevi aqui antes, me parece que o modelo mais adequado para simbolizar o mundo em que vivemos seria o do "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley. As modernas tecnologias de informação e comunicação não estão ao serviço de uma ou mais entidades externas. Elas estão literalmente "agarradas" à vida quotidiana e é nesse contexto que devem ser estudadas. Em Orwell as tecnologias de informação e comunicação - que são tecnologias de dominação, como sempre foram - são uma ferramenta ao serviço de uns para vigiar outros. Sujeito e objecto são entidades separada. Um é agente o outro é agenciado. Em Huxley, pelo contrário, as tecnologias de informação estão integradas no tecido social e na vivência quotidiana dos indivíduos. E depois podem ou não ser apropriadas por entidades externas. Como são. Mas não nos devemos esquecer que também podem ser apropriadas pelos próprios indivíduos. Precisamente porque são fluídas  Por isso é que, quando se dá o exemplo de Edward Snowden para demonstrar o perigo dessa apropriação no quadro da big data, o mesmo Snowden serve de exemplo de como os indivíduos podem exercer o mesmo poder usando precisamente as mesmas ferramentas. Como Manning também ilustra cabalmente.
Percebo muito bem as inquietudes que estão na base da maioria dos estudos de vigilância. Há matérias que devem ser estudadas porque a multiplicação das tecnologias de informação e comunicação levanta questões profundas e de resposta difícil. Mas - creio - não serve de nada estudá-las ou analisá-las num quadro estático. Isso só será útil se tiver em conta o carácter líquido das apropriações sociais das novas tecnologias de informação e comunicação.

terça-feira, 16 de julho de 2013

O capital social na era das redes sociais online


Este trabalho é um dos pilares da minha dissertação da mestrado. Pretendendo analisar as transformações do valor económico e social da informação no quadro da sociedade em rede, aproveitei a cadeira de Redes Sociais Online (ministrada pelo regente do mestrado, Gustavo Cardoso) para fazer uma primeira abordagem ao tema. Basicamente, tinha como intenção tentar perceber o que é que leva as pessoas a interagir (e por vezes expor a sua intimidade ou expor-se a um óbvio aproveitamento comercial) nas redes sociais online. O que esperam retirar disso como beneficio pessoal ou social. Que gratificação imediata é que isso lhes dá. Obviamente não me interessava entrar pela psicologia social (embora isso também fosse interessante). O que me interessava era perceber que benefícios sociais resultam da interacção nessas redes e em que medida é que esses benefícios são diferentes face às redes sociais não mediadas. Obviamente, o conceito de capital social é central nesta análise.
Confesso que não conhecia em profundidade o conceito de capital social, o que obviamente era uma lacuna importante  uma vez que se trata de um conceito central em sociologia. Conhecia o seu sentido superficialmente, mas agora fiquei a conhecer muito melhor todas as suas vertentes (e até as suas várias acepções). E, como é óbvio, há mudanças importantes no tipo de relacionamento social que se estabelece entre os indivíduos que têm impacto sobre a formação de capital social. Impactos qualitativos e quantitativos.
Este é um tema difícil e a impressão que me ficou foi que ainda há muito por estudar. Mas há duas ideias que gostaria de destacar. Primeiro, a participação nas redes sociais online está longe, muito longe de ser uma futilidade. Obviamente, estas são redes diferentes das redes tradicionais. Mas não são menos importantes ou - aquilo que realmente me interessa neste estudo - menos valiosas para os indivíduos. Isso torna-se evidente quando as analisamos usando um prisma diferente daquele a que recorremos para analisar as redes tradicionais. Um "amigo" do Facebook é diferente de um primo ou um irmão. Mas não é necessariamente menos importante do ponto de vista social. E pode ser tão ou mais valioso do ponto de vista social. Uma das razões é porque há aqui dois elementos das redes sociais online que são determinantes em introduzir a diferença: a quantidade incomparavelmente mais abundante de ligações mediadas e o facto de poderem transpor as contingência de espaço e tempo. Portanto, desse ponto de vista, a investigação feita para este trabalho foi frutuosa e serviu os objectivos que tinha inicialmente para ele (em termos de análise do valor social da informação)
Mas há outra ideia que eu também queria destacar e que neste trabalho acabei por apenas aflorar superficialmente: a multiplicação de relações sociais e a transversalidade espacio-temporal das mesmas coloca os indivíduos perante novos tipos de filiações sociais que transcendem as limitações geográficas, nacionais, etárias, familares ou outras. Ou seja, toda aquela sorte de critérios que costumavam sedimentar (e ainda sedimentam) as relações sociais não mediadas. E o que parece - sinceramente - é que é isso mesmo que explica as convulsões sociais que temos vindo a presenciar um pouco por toda a parte (e para as quais se procuram futilmente "razões próximas"). Parece haver aqui um desconforto, um desajustamento, entre a realidade "real" dos indivíduos e a realidade "virtual" das suas relações sociais online. Eu lembro-me de ter achado - com Baudrillard, por exemplo - que havia um desfasamento traumático de base entre aquilo que a sociedade de consumo nos impunha como aspiração social e aquilo que a realidade económica nos permitia. Sempre achei que esse trauma seria o "combustível" de alguma coisa. Pois bem, hoje em dia, o desfasamento traumático entre as limitações da nossa realidade "real" e as potencialidade da nossa realidade "virtual" é ainda maior. Está por provar que seja isso - ou algo parecido com isso - que está na base das convulsões sociais em que vivemos. Mas essa hipótese deve ser estudada (o que, por si só, repare-se, "obriga" a pôr de lado, desde logo, todas as referidas "razões próximas").
No fundo, o que isto significa é que há aqui movimentos tectónicos profundos das formas de sociabilidade dos indivíduos e do tipo de relações sociais que se estabelecem entre eles. Essas mutações profundas têm provavelmente múltiplos efeitos, sendo que um deles pode bem ser a construção de sociedades (ou sociedade) mais justas, mais fraternas e mais solidárias. Isto, obviamente, está para lá do âmbito restrito do trabalho que pretendo fazer neste mestrado, mas, bem vistas as coisas, pode também ser um elemento a ter em conta numa análise do valor social da informação. Não para os indivíduos, mas para a sociedade como um todo. Ou seja, o conceito de capital social é instrumental, mas podemos igualmente analisar as potencialidades comunicativas da sociedade em rede como um elemento de crescimento e amadurecimento das sociedades humanas. O que nos leva em direcção a teorizações como a da "civilização empática" de Rifkin ou a ficções como o "Admirável Mundo Novo" de Huxley.

O trabalho apresentado à cadeira de Redes Sociais Online - que não contém estas reflexões mas suscitou-as - pode ser lido ou descarregado na minha área do academia.edu ou aqui:

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A (des)regulação da internet

Para a única cadeira opcional do 1º ano de mestrado escolhi a unidade curricular "Política e Regulação dos Média". A ideia - mais uma vez - era fazer uma espécie de "antes-e-depois" para perceber o que mudou na comunicação com o surgimento da internet. Neste caso, o que mudou em termos de regulação da função social da comunicação. O que me interessava não era tanto (ou não era apenas) a regulação formal, mas também a regulação informal da comunicação. Por exemplo, a crença de que deve haver um serviço público de televisão ou a exigência que a conduta dos jornalistas deva ser sujeita a um código deontológico que, entre outras coisas, se destina a proteger a sua objectividade são duas formas de regulamentação formal que cada sociedade implementa ao seu jeito. Mas elas simultaneamente alimentam e alimentam-se de uma ideia geral sobre os mecanismos pelos quais se deve reger a distribuição social de informação que tem algo de informal e que se encontra interiorizada em cada um de nós. Quando falamos de "televisão" ou quando falamos de "jornalismo" formamos uma ideia do que estamos a falar que é ela própria uma instituição social. Ou seja, os conceitos de "televisão" e "jornalismo", por exemplo, são tanto instituições sociais como o são a Lei da Televisão ou o Código Deontológico dos Jornalistas (entre outros "códigos" atinentes). Aliás, estes são emanações daqueles. Tanto as instituições formais - as leis e as entidades reguladores - como as instituições informais - a ideia social subjacente - são formas de institucionalizar socialmente a distribuição de informação. São modos de organizar os recursos sociais para produzirem um fim, que é assegurar a distribuição social da informação.
Neste trabalho, o que me preocupava não eram as instituições formais - as leis ou as entidades reguladoras - mas sim a forma de institucionalizar socialmente a distribuição de informação. Porque falhamos o essencial se, ao seguirmos a desregulação introduzida pela internet, olharmos para as instituições formais - as leis - e não para as instituições informais - os modos de organizar socialmente a distribuição de informação: através de televisões privadas ou publicas (ou ambas); com respeito estrito pela objectividade ou sem ele; etc.
Por isso o que fiz foi tentar identificar os valores sociais subjacentes à regulação tradicional, enumerar as transformações colocadas em cena pelas comunicação digital e depois ver de que modo é que esses valores podiam ou não ser regulados na nova realidade comunicativa.
O resultado desiludiu-me um pouco. Primeiro porque o problema se revelou mais complexo do que eu antecipava e, segundo, porque tive muito menos tempo para fazer este trabalho do que gostaria de ter tido. Serviu pelo menos para concluir que provavelmente não chega alargar o âmbito da regulação para instituições formais de âmbito transnacional (como tem sido regra). Essas formas de regulação em geral não funcionam (demoram tempo e têm uma aplicabilidade reduzida) nem podem funcionar (o problema é de outra natureza). De certa forma, as tentativas de regulação deste sector - sejam nacionais ou transnacionais -  têm usado as mesmas ferramentas e instrumentos que eram usados para regular os mass media perante uma comunicação social cuja transformação é radical na passagem do analógico para o digital. Esse é um erro básico de perspectiva que não espanta nos reguladores porque na realidade está também dentro das nossas cabeças: quando discutimos se um blogue pode ser considerado jornalismo ou se é ou não correcto copiar um ficheiro MP3 estamos a aplicar à realidade "líquida" da era digital as categorias de análise (e portanto também de regulação) "sólidas" da era analógica.
Este trabalho pode ser lido e descarregado na minha área do academia.edu ou aqui:

domingo, 14 de julho de 2013

Porquê estudar o valor da informação?

Na cadeira de Desenho de Pesquisa, é-nos pedido que desenhemos o plano de pesquisa para a investigação que queremos fazer neste mestrado e que deverá culminar na dissertação de mestrado. Para mim isto foi relativamente simples, uma vez que aquilo que pretendo investigar já está (já estava) bastante bem definido dentro da minha cabeça e também porque, salvo uma ou duas excepções, tenho conseguido "ligar" o trabalho feito  em cada uma das cadeiras com o objectivo final da investigação que pretendo fazer no mestrado.
Esta investigação prende-se o valor social e económico da informação e o trabalho abaixo explica detalhadamente o porquê da escolha deste tema, os métodos que serão seguidos e as hipóteses de estudo. Mas eu queria destacar aqui um uma ou duas ideias principais e apontar para as conclusões esperadas.
Eu sempre achei que os meios de comunicação social tinham um peso decisivo na vivência social e na construção da cidadania. Em parte foi por isso que escolhi estudar e trabalhar em jornalismo. Aliás, já repeti mais do que uma vez que, na época, jornalista, médico e juiz eram aqueles 3 papéis que para mim eram mais do que meras profissões; eram missões!.
Por outro lado, desde cedo percebi também que o surgimento da internet alterava profundamente o papel e a relevância social dos meios de comunicação. A princípio parecia-me que isso tinha a ver com o seu modelo de negócio e que, uma vez encontrado um novo modelo de negócio, o equilíbrio seria reestabelecido, provavelmente com outros actores, mas proporcionando o mesmo resultado: assegurar a distribuição social de informação. Esta é aliás, provavelmente, a tese dominante actualmente.
Mas, ultimamente, tenho olhado cada vez mais para a distribuição social de informação pelo prisma analítico das suas instituições. Ou seja, aquilo a que nós chamamos mass media - os jornais, as revistas, as televisões - são formas institucionais de distribuir informação socialmente relevante. E aliás, são formas institucionais grandemente regulamentadas (de diversas formas) e profundamente "historicizadas". O que está a acontecer actualmente - parece-me - é uma construção social de novas instituições para fazer a mesma coisa, sendo que este processo está apenas no princípio. Obviamente, essa construção far-se-á com avanços e recuos, com viragens à direita ou à esquerda, consoante as forças sociais e económicas em colisão. Mas far-se-á inevitavelmente. Este trabalho é sobre isso. Mas, por isso mesmo, não pretendo que se restrinja ao modelo de negócio dos mass media (embora isso já fosse tarefa importante!). O que quero é compreender as formas sociais que escolhemos para distribuir informação e de que forma e que elas mudaram na transição para a sociedade em rede alimentada por tecnologias digitais. Ou seja, é um tema vasto - com duas vertentes bem claras, a económica e a social - mas que pode ser circunscrito às hipóteses e aos métodos de pesquisa descritos neste trabalho.
Queria também falar das conclusões esperadas. Basicamente porque quando estava a projectar a pesquisa, elas assustaram-me um pouco. Mas - sinceramente - são aquelas que penso que esta investigação irá produzir:

  1. O modelo de negócio dos mass media está esgotado e não pode ser recuperado no quadro da sociedade em rede
  2. O modelo de negócio dos novos media da sociedade em rede depende de uma escala global e só existe em função dela (o que explica a tendência para um só operador por sector)
  3. Contribuir para uma investigação mais abrangente sobre formas alternativas de atribuir valor à informação no quadro da sociedade em rede, considerando que o modelo actual está esgotado e é preciso encontrar um modelo alternativo que garanta as funções sociais de distribuição de informação dentro de parâmetros de racionalidade económica e relevância e adequação social.
Este último é obviamente o resultado mais importante que esta investigação pode produzir, mas é também o mais ambicioso e difícil. Por isso é que está projectado apenas como um contributo. Não espero com o trabalho desenvolvido neste mestrado responder a essa questão - formas alternativas (e sustentáveis) de garantir a distribuição social de informação na sociedade em rede - mas espero, com a investigação sobre o papel dos mass media vs. new media, poder contribuir para esse objectivo.

O trabalho que descreve em pormenor o meu projecto de pesquisa pode ser lido na íntegra na minha área do academia.edu ou aqui:

A geração digital


Para a cadeira de Literacia dos Novos Média tinha desde o início projectado analisar comparativamente as literacias exibidas pelos nativos digitais face àqueles que foram "nascidos e criados" no mundo dos mass media. Muitas vezes brincamos com isso no nosso dia-a-dia, comentando a forma a aparentemente simples como as crianças apreendem a forma de funcionamento dos novos media por comparação com a dificuldade que os mais velhos demonstram para o fazer. Isso voltou a ser moda nos videos virais a propósito do surgimento dos tablet e do carácter aparentemente intuitivo com que as crianças os usam. Houve vários videos muito populares sobre isso.
Obviamente, conhecia relativamente bem as teses de Don Tapscott e também, embora mais superficialmente, as de Nicholas Negroponte. E estes dois autores serviram de base ao trabalho para esta cadeira. Mas, por uma contingência cronológica, fiz este trabalho depois de fazer o de Questões Contemporâneas de Comunicação e Cultura, sobre a migração do analógico para o digital. E, por isso, em vez de tentar comparar as literacias de uns e outros dos protagonistas identificados acima, optei por tentar perceber de que forma é que as mutações resultantes da migração do analógico para o digital tinham nas literacias exibidas pelo nativos digitais. Dito de outro modo, tentei combinar a comparação referida com uma tentativa de a explicar como uma forma de apropriar tecnologias que são fundamental e essencialmente diferentes. Ou seja, o que me interessava era menos os estudos empíricos sobre a forma de apropriar esta ou aquela tecnologia e mais a forma de incorporar na comunicação e na relação social as mutações de base resultantes da mudança do analógico para o digital.
Este foi provavelmente o trabalho realizado até agora em que mais fiquei com a noção que havia muito mais para ler, para analisar e para escrever. Estive apenas a esgravatar a superfície de um tema que por si só dava uma tese de doutoramento. Mas que para mim era apenas um input parcial para outro tema diferente. Talvez tenha sido por isso que este trabalho foi dos que me correu pior. Deu-me menos gosto a fazer que os outros e o resultado penso que transparece isso. Ainda assim, ele aqui está. O resumo diz o seguinte:

"Na sociedade em rede conectada por comunicação mediada por computador, a produção, distribuição e consumo de informação e de bens culturais é cada vez mais dominantemente feita no formato digital. E esse facto altera não só os conteúdos informativos e culturais, mas também a forma de os apreender e incorporar no quotidiano social dos indivíduos. Neste trabalho partimos de uma análise às características mais marcantes e distintivas do formato digital de codificação face ao formato analógico para encontrar uma correspondência com o tipo de novas literacias evidenciadas pelos nativos digitais e desse modo estabelecer uma dicotomia entre esta geração e as anteriores. A hipótese subjacente a este trabalho é que os novos formatos digitais de produção, distribuição e consumo de informação, conhecimento e cultura na sociedade em rede são apropriados socialmente pelos indivíduos mediante novas literacias de media. Começaremos por analisar quais são as características distintivas dos novos media digitais, depois analisaremos quais as literacias evidenciadas pela actual geração de nativos digitais face à geração anterior a partir de estudos e análises já publicadas e, por fim, concluiremos analisando de que forma essas literacias são úteis nos outros campos de desenvolvimento da sociedade em rede."
O artigo completo está na minha página do academia.edu ou aqui:

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O paradigma digital

A cadeira de Questões Contemporâneas de Comunicação e Cultura é a única do primeiro ano de mestrado que é anual e não semestral. E é sempre leccionada por três professores externos convidados para o efeito. Este ano leccionaram a cadeira, por este ordem, Eduardo Cintra Torres, da Universidade Católica, Fausto Colombo, da Universidade Católica de Milão, e Nico Carpentier, da Universidade Livre de Bruxelas. A nós competia-nos escolher um dos temas abordados e trabalhar sobre ele. Eu gostei das aulas dos três professores, mas escolhi como tema uma das áreas tratadas - mas não aprofundada - pelo professor Fausto Colombo: a passagem do analógico para o digital.
Eu sempre intui que isso tinha alguma importância, mas estava longe de imaginar que teria o papel tão decisivo que percebi ter depois de estudar o tema.  Esta é que é verdadeiramente a mudança de paradigma que afecta todos outros campos de análise que possamos escolher para abordar as transformações em curso não só na área da comunicação, como no funcionamento geral das sociedades actuais. Penso que precisamos de perceber isso para podermos compreender o que está a passar-se na forma de distribuir socialmente a informação e sobretudo para escaparmos à tentação de olhar o que é novo à luz de instituições e categorias de análise que são velhas. Este é um erro muito frequente.
Quando escrevi os meus papers do primeiro semestre não tinha ainda tomado consciência da magnitude que representa esta mudança do analógico para o digital, porque senão ela teria sido mais central nesses primeiros trabalhos. Nem este paper o esgota. Por exemplo, não há neste trabalho nada sobre o estudo da Antropologia num mundo que deixa de ser analógico e passa a ser digital. Será que a Antropologia já meditou sobre isso? Que efeitos tem a codificação digital sobre a nossa memória colectiva? Não é óbvio que isso não pode deixar de ter efeitos transformadores massivos e profundos sobre as sociedades humanas em todas as suas vertentes?
Outra coisa que resultou para mim muito positiva deste trabalho foi ter percebido melhor como enquadrar a transformação tecnológica no quadro do livre-arbítrio dos indivíduos em sociedade e das suas escolhas colectivas. Percebi que a tecnologia não determina, dirige. Ela não impõe caminhos; ela abre caminhos possíveis. Ela constitui um substrato sobre o qual se constroem as organizações económicas e sociais humanas, assim como as escolhas pessoais dos indivíduos. As tecnologias particulares com que hoje nos confrontamos - os smartphones, os ecrãs tácteis, o wi-fi, etc - são elas próprias pequenas erupções que nascem sobre o magma transformador da transição do analógico para o digital. Esse é que é o factor decisivo para o qual devemos olhar se quisermos perceber as transformações em curso na área da comunicação.
Este transformou-se se por isso num dos três trabalhos mais importnates que já fiz até hoje neste mestrado (o de Dinâmicas Sociais da Internet é outro) e por isso será um dos pilares da minha dissertação final. O que significa que provavelmente voltará a ser citado por aqui.
O resumo do artigo diz o seguinte:
"A emergência da Sociedade em Rede introduziu mudanças significativas na forma como os agentes sociais produzem, distribuem e consomem informação, conhecimento e cultura. Uma dessas mudanças corresponde à alteração fundamental do sistema de codificação da informação, que passou de predominantemente analógico antes da Sociedade em Rede para sobretudo digital depois dela. Neste trabalho argumentaremos que a passagem da codificação analógica para a digital constitui o substrato tecnológico sobre o qual se organizam as apropriações sociais das tecnologias de informação e comunicação. Começaremos por analisar as características da codificação digital por oposição à codificação analógica, em seguida analisaremos de que forma a codificação digital condiciona o modo de produzir, distribuir e consumir informação e concluiremos avaliando como é que isso altera as condições sociais em que essa produção, distribuição e consumo acontecem."
O artigo completo pode ser lido e descarregado na minha área do academia.edu ou aqui:

sábado, 20 de abril de 2013

"1984" ou "Admirável Mundo Novo"?




Desde que estou a estudar neste mestrado já ouvi falar dezenas de vezes do "1984" de George Orwell. Obviamente a magnitude das transformações em curso, nas nossas formas de comunicar e nas nossas formas de nos relacionarmos socialmente, induz visões utópicas ou distópicas da realidade.
Mas não é isso que me ocupa agora. Esta questão voltou a ocupar-me esta semana à medida que via, à distância e sem o acompanhamento que merece, a forma como as redes sociais e o "user generated-content" foi usado na investigação (e captura) dos suspeitos do antentado de Boston. Isso fez-me lembrar aquela notável frase acima (que li pela primeira vez num trabalho de primeiro semestre de um colega sobre as questões da vigilância), uma desconstrução de Mark Miller sobre a célebre frase de George Orwell (provavelmente uma das frases mais famosas do Mundo): "Big Brother is watching you!".
Como a investigação de Boston demonstra à evidência, o verdadeiro potencial de vigilância não é externo à sociedade; é interno a ela. Não será imposto de fora para dentro; será imposto de dentro para fora!  O "Big Brother", realmente, se alguma vez existir (porque às vezes esquecemo-nos que as distopias são tão credíveis como as utopias...), será o conjunto dos cidadãos a controlarem o conjunto dos cidadãos.
Por isso é que eu acho que, se as pessoas que estudam comunicação e sociedade quiserem realmente servir-se de uma distopia, a escolha certa não é o "1984" do George Orwell; é o "Admirável Mundo Novo" do Aldous Huxley (aliás, se quiserem ver o Gattaca, também poderão tirar alguns "ensinamentos" interessantes). A vantagem do "Admirável Mundo Novo" sobre o "1984" é que o segundo é feito de fora para dentro, um escritor olha para a sociedade e recobre-a com a sua visão distópica da sua evolução; enquanto o primeiro é feito de dentro para fora, a distopia é enredada no próprio tecido da sociedade. Talvez seja uma heresia literária, mas o que me parece é que "1984" é um objecto literário enquanto o "Admirável Mundo Novo" é um objecto científico. Onde num existe literatura, no outro existe ciência. Por isso é que o segundo seria uma melhor distopia para invocar num mestrado de comunicação e sociedade.
Aliás, só ao pesquisar para este post é que percebi que Neil Postman, um investigador que já citei por várias vezes no primeiro semestre, já se tinha apercebido há muito desta fundamental diferença entre Huxley e Orwell (ou, mais correctamente, entre o "1984" e o "Admirável Mundo Novo"). Diz ele, em "Amusing Ourselves to Death"
What Orwell feared were those who would ban books. What Huxley feared was that there would be no reason to ban a book, for there would be no one who wanted to read one. Orwell feared those who would deprive us of information. Huxley feared those who would give us so much that we would be reduced to passivity and egotism. Orwell feared that the truth would be concealed from us. Huxley feared the truth would be drowned in a sea of irrelevance. Orwell feared we would become a captive culture. Huxley feared we would become a trivial culture, preoccupied with some equivalent of the feelies, the orgy porgy, and the centrifugal bumblepuppy. As Huxley remarked in Brave New World Revisited, the civil libertarians and rationalists who are ever on the alert to oppose tyranny "failed to take into account man's almost infinite appetite for distractions." In 1984, Orwell added, people are controlled by inflicting pain. In Brave New World, they are controlled by inflicting pleasure. In short, Orwell feared that what we fear will ruin us. Huxley feared that our desire will ruin us.
Obviamente, a ideia de pôr os cidadãos (e os seus telemóveis, as suas câmaras, a suas fotografias) à procura de um criminoso, qualquer que ele seja, é muito assustadora.  E este caso de Boston merece um estudo profundo (que, não tenho dúvidas, alguém do MIT estará a preparar!) nesse aspecto, pois pode ser um case-study com alguns elementos inéditos.
Mas aquilo se inscreve na sociedade será sempre mais importante do que aquilo que se inscreve sobre ela. É essa a lição que Huxley nos dá e é por isso que as suas "previsões" podem ser muito mais úteis em termos científicos do que as do "1984" de Orwell. Se querem uma distopia (???), escolham esta!

quarta-feira, 27 de março de 2013

Present Shock!


O conceito de timeless time que Castells associa à comunicação na era da sociedade em rede é levado ao extremo por Douglas Rushkoff neste livro recente: "Present Shock - When Everything Happens Now".
Para já é um trocadilho interessante - e assumido (explicado num dos videos abaixo) com o "Future Shock" do Alvin Toffler. Mas, sobretudo, leva o conceito de timeless time muito mais além e questiona muitos outros parâmteros da civilização a partir da era digital.
Obviamente, Douglas Rushkoff não é um cientista nem isto é ciência. Mas, quem tiver paciência para acompanhar os videos, pode encontrar muitas ideias de investigação bem interessantes.
Para mim, o tema do shift analógico/digital é central como tema de estudo, pelas consequências que parece ter não só na maneira como transmitimos informação (em sentido lato) como também na maneira como nos apropriamos dela, a arquivamos, a reutilizamos, etc. Nessa medida, as teses de Rushkoff são interessantes e desafiadoras. Ainda não consegui encontrar este livro em formato digital, mas estou a ansioso por lhe "deitar a mão". Não tarda nada vem pela Amazon em formato "sumo de árvore"!
Eis um video onde Douglas Rushkoff explica o que é o "Presente Shock". É um video longo, mas está carregado de ideias interessantes a todos os níveis. Além disso, o homem é tão frenético que chega a ser hilariante! Faz lembrar o Woody Allen. Quem preferir um video mais pequeno tem este, que também é recente, numa conferência da O'Reilly - http://youtu.be/cdawqlu0_JU - seguido de uma conversa com Eva Williams, um dos fundadores do Twitter - http://youtu.be/_MPXe4JwfAc




Por outro lado, uma fenómeno interessante - porque de certa forma incongruente - de que temos falado nas aulas de mestrado é o dos "drop-outs", as pessoas que embora reunindo os meios e as literacias para os usarem, abandonam voluntariamente a internet e/ou as redes sociais.
As teses de Rushkoff também são obviamente interessantes nessa perspectiva, porque sublinham o potencial de ansiedade que o o timeless time da era digital pode insinuar em quem não for capaz de prescindir de uma grau mínimo de controle. Nessa media, é interessante acompanhar esta conversa entre Rushkoff e Paul Miller, o jornalista do The Verge que há quase um ano decidiu "sair da internet" e voltar para contar a história.

sábado, 16 de março de 2013

Marx lives!

Não, não me refiro ao Groucho! Estou a falar do Karl, mesmo! Carlitos para o amigos.
Preparando este artigo - aliás excelente! - para uma apresentaçãpo em aula - "Loser Generated Content: From Participation to Exploitation", de Søren Mørk Petersen  - voltei a deparar (não é a primeira vez neste mestrado) com o cruzamento entre o marxismo e as novas tecnologias de informação e comunicação, nomeadamente no que se refere às suas consequências económicas e sociais. Que é precisamente aquilo que pretendo estudar.
A partir deste artigo descobri também esta tese de doutoramento de Nick Dyer-Witheford, que faz uma releitura de Marx à luz das novas TIC: "Cyber-Marx : cycles and circuits of struggle in high technology capitalism" (que aliás está integralmente disponível online através de uma licença Creative Commons).
O que Søren Mørk Petersen insinua e Nick Dyer-Witheford afirma claramente é que a releitura de Marx neste contexto tanto pode dar para explicar os desenvolvimentos actuais como uma extensão e até exponencialização do capitalismo, como para os apresentar como o prólogo da realizção d ideal comunista sobre a terra. Fala Dyer-Witheford:
"(...) the information age, far from transcending the historic conflict between capital and its labouring subjects, constitutes the latest battleground in their encounter; how the new high technologies--computers, telecommunications, and genetic engineering--are shaped and deployed as instruments of an unprecedented, world wide order ofgeneral commodification; and how, paradoxically, arising out of this process appear forces which could produce a different future based on the common sharing of wealth--a twenty-first century communism."
Ou seja, mais uma vez, parece estarmos perante a escolha entre a utopia e a distopia, como tantas vezes temos falado neste mestrado. Por um lado, a recorrência dessa dicotomia parece impor uma releitura de Marx neste quadro. Eu li Marx, directamente, enquanto jovem. Mas, para ser sincero, aquilo já me parecia um pouco desligado da realidade à época, quanto mais agora! Mas de facto, a reinterpretação de Marx no contexto actual parece fazer todo o sentido, sobretudo no quadro de uma investigação sobre o valor e a atribuição de valor nos processos comunicativos e informativos do nosso tempo. Ou seja, abre-se aqui um linha de investigação interessante que sem dúvida irei trilhar no futuro.
Por outro lado, como Petersen também refere, o que é preciso é uma nova abordagem sobre o valor do trabalho (para usar um termo central no marxismo) neste contexto, o que significa investigar e analisar as questões do acréscimo de valor colocado nas produções culturais e informativas. O que quer dizer que estou no bom caminho!

P.S. Já agora: percebi que Søren Mørk Petersen foi escrito antes da tese de doutoramento. Esta tem o título "Common Banality: The Affective Character of Photo Sharing, Everyday Life and Produsage Cultures" e também me parece interessante. Mas ainda não a consegui encontrar onlie em lado nenhum... Se alguém a encontrar...

quinta-feira, 14 de março de 2013

Intemporalidade, convergência e revolução

Quando vi a mais recente campanha da Zon, criada sobre o conceito "Timewarp - Viajo no tempo", lembrei-me logo da noção de "timeless time" de Manuel Castells.
Aliás, há quase um mês tinha chamado a atenção para a forma como a campanha do Meo evocava uma das acepções daquilo que se pode entender como convergência dos media segundo Henry Jenkins.
Que as duas maiores "transportadoras de sinal" nacionais toquem em dois dos conceitos mais fundamentais da nova paisagem comunicativa, isso é em si mesmo uma coincidência interessante.
Mas na realidade pode significar bem mais do que uma mera coincidência. Porque - estou eu aqui a pensar - o que isto significa, basicamente, é que a Zon acabou de descobrir - e está a tentar monetizar - um dos traços constitutivos da arquitectura da comunicação em rede: a bidireccionalidade. E a questão nem sequer é se vai (vão...) a tempo. A questão é se isso faz sentido. Porque o facto de os canais de comunicação na internet funcionarem nos dois sentidos é tão natural para a rede como respirar é para o ser humano. Por isso, de certa forma, o que a Zon e a Meo estão a fazer é praticamente o mesmo que os jornais fizeram quando criaram websites para colocar as notícias online; que é fazer mais ou menos a mesma coisa para responder a uma realidade que é radicalmente diferente. Estamos a perceber hoje, nos jornais, que não sabemos o que é que vai ser o futuro da comunicação, mas sabemos que não vai ser isso.
Com as "transportadoras de sinal" pode estar a passar-se algo semelhante. Procuram estar onde "está o negócio" na esperança - se calhar vã - de que exista de todo um negócio no futuro da comunicação. Pode estar a começar acontecer-lhes agora o mesmo que aconteceu aos jornais e revistas quando lançaram os seus primeiros websites. Querem estar ali porque aqui já não se está bem. O que não quer dizer que ali se esteja melhor!
Afinal, o que é que fez o Skype às operadoras telefónicas tradicionais? O que é que o Facetime fez ao Skype? Ou o Facebook ao Facetime? Ou o Google+ ao Facebook? Podíamos ficar aqui eternamente a argumentar futilmente sobre quem ganhou a quem, sem repararmos no facto essencial de que todos perderam. A abundância de informação reduz o seu valor assim como a multiplicação de canais reduz o potencial de rentabilidade de cada um. E não há nada mais multiplicador do que tornar bidireccional aquilo que antes era unidireccional.
Obviamente, tudo o que está para cima é especulação e futurologia. Na verdade é algo que nem devia ser "permitido" num blogue "académico". Mas serve para ilustrar que é isso precisamente que pretendo estudar cientificamente neste mestrado. Não o modelo de negócio das operadoras de internet - ou pelo menos não apenas - mas a própria ideia de um modelo de negócio como forma viável ou desejável de transmitir socialmente a informação na era da internet. Esse tem sido o traço comum a tudo o que tenho feito neste mestrado e irá continuar a sê-lo no futuro.
Hão-de emergir, se não certezas, pelo menos convicções cientificamente fundadas. Uma das que já vislumbro - que que já tive oportunidade de tratar num trabalho ou outro - tem a ver com a escala global em que operam as Google e Facebook deste mundo. Ao contrário do que normalmente se pensa - argumento eu... - não é que elas sejam ricas porque são globais. É exactamente o contrário: elas NÃO SÃO pobres porque são globais. E é porque as vemos globalmente que perdemos de vista que o seu "modelo de negócio" está na realidade tão deteriorado como os outros. Dito de outra forma, quando valorizamos em bolsa uma Google ou Facebook pelo potencial de negócio que resulta do facto de ela operar globalmente (tem não-sei-quantos milhões de utilizadores...), estamos a valorizá-la com "instrumentos de medida" concebidos para o nosso mundo; não para o próximo! Estamos a valorizá-la em função do potencial que achamos que ela pode gerar devido ao número de clientes e não em função do que ela efectivamente gera por cada cliente que serve. Ou seja, é intrínseco à forma como a informação se torna abundante e os canais se multiplicam socialmente que o valor unitário da informação necessariamente se reduz. E não há nada que nem a Google nem o Facebook possam fazer quanto a isso. A não ser, talvez, esconder a evidência com a exuberância dos seus "números". Um dia espero poder estudá-lo e prová-lo!

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Os fãs das marcas de automóveis e a criação de valor

Para a cadeira de Culturas Digitais, Fãs e Web 2.0 era suposto escolhermos e estudarmos um fandom.
Eu procurei dirigir o estudo para aquilo que no fandom pode significar acréscimo de valor. E escolhi estudar nessa perspectiva o Fórum Autohoje Online. Primeiro porque é uma comunidade perfeitamente estabelecida e solidificada e, depois, porque basta olhar para ele para perceber que há muitas decisões de compra - muitas mesmo! - que são tomadas depois de uma "consulta" ao fórum. Ou seja, as recomendações peer-to-peer desempenham um papel fundamental para quem frequenta e consulta o fórum e, nessa medida, são um exemplo do tipo de acréscimo de valor que as comunidades online exercem sobre o seu objecto. Tanto em favor da marca ou marcas de que os membros da comunidade são fãs como em favor da plataforma na qual constituem a comunidade e exercem esse acréscimo de valor. Ou seja, neste trabalho interessava-me tentar perceber de que forma os fãs das marcas de automóveis que frequentam o fórum acrescem valor às marcas de que são fãs. Mas - tão ou mais importante - interessava-me também perceber como é que acresentam valor à própria comunidade, pois essas conclusões são aquelas que podem ser extrapoladas para todas as comunidades de user-generated content. Para o Fórum Autohoje Online mas também para o Facebook, o Twitter, o Instagram, o YouTube, até o Google Search. É isso que realmente é novo na forma como organizamos social economicamente a maneira de comunicar e é isso que me interessa estudar.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Google, Facebook, Twitter e YouTube: os novos media da sociedade em rede

Este foi para mim o trabalho mais importante deste semestre. Por uma razão: de todos os que fiz é aquele que está mais próximo da espinha dorsal do que pretendo estudar neste mestrado.
Já há muito tempo que tenho a opinião de que, quando os media tradicionais olham para a internet fazem-no com uma perspectiva enviesada que tende a tomar os outros media tradicionais nas mesmas circunstâncias como os seus concorrentes. Adoptam essa perspectiva no pressuposto errado de que são produtores de informação quando na realidade são apenas seus distribuidores. Do ponto de vista da função social dos media, os seus concorrentes são na realidade as google, facebook, twitter e youtubes deste mundo. Na maior parte dos casos os media tradicionais até falam com orgulho - ironia - das suas páginas de Facebook, do seu Twitter, dos seus canais do YouTube, não percebendo que na realidade o que estão a fazer é a alimentar os seus coveiros! Aliás aquela ideia recente  - "saiam da internet!" pode até ser menos disparatada do que parece.
Outros media tradicionais confrontam as google deste mundo, mas, mesmo isso, fazem-no numa base errada: olhando para elas como uma espécie de piratas e não como concorrentes. Na realidade, em muitos anos a acompanhar estas matérias, acho que nunca vi ninguém ligado aos media tradicionais a olhar para estes "novos media" como aquilo que eles realmente são: os seus concorrentes nativos do novo mundo digital. Este trabalho é sobre isso. E penso que faz o essencial para o explicar.
Mas é também sobre duas outras ideias que na verdade se limita a aflorar e que requerem óbvia continuação no futuro: a redução do valor unitário da informação e as consequências económicas, sociais e até políticas que isso poderá ter. Isto sim, é o que me interessa!


domingo, 17 de fevereiro de 2013

A convergência da informação

A convergência da informação é uma tese argumentada, entre outros, por Henry Jenkins. Basicamente diz que os modos de expressão cultural que hoje conhecemos e que viveram durante muitos anos associados a diferentes "media" tendem a convergir para a internet: a televisão, a rádio, os "jornais", etc.
Isso obviamente levanta muitas questões interessantes em relação aos modos da narrativa. Transformações que estamos apenas a começar a vislumbrar e que estamos apenas ainda a "arranhar" em termos de investigação: os blogues e as redes sociais face aos media tradicionais; o YouTube face à televisão; o Spotify face à rádio, etc. Essas transformações nos modos de exercer a narrativa merecem estudo e gostava de poder abordar esse assunto algures neste mestrado, o que ainda não aconteceu.
Mas o aspecto mais interessante da tese da convergência está na forma como ela conjuga o determinismo e o voluntarismo. Determinismo tecnológico e voluntarismo social, para ser mais preciso.
Como Henry Jenkins vê bem, a convergência tanto pode ser um processo de cima para baixo, liderado pelas empresas, como pode ser um processo de baixo para cima, liderado pelos consumidores. Dan Schiller vê-a exclusivamente na primeira perspectiva; Yochai Benkler apenas na segunda. Será a "continuação do capitalismo por outras formas" se a primeira prevalecer; será uma revolução de consequências imprevisíveis se prevalecer a segunda. A escolha será social e não individual. Por isso é que os movimentos tipo "occupy" são tão interessantes: mesmo transcendendo largamente esta questão específica, eles representam a percepção, às vezes ainda difusa, de que há um património colectivo que é preciso reclamar, mas que não é fácil de delimitar e precisar. Se essa reclamação não for bem sucedida, a convergência dos media na internet tenderá a realizar-se ao serviço de interesses particulares. Mas realizar-se-á. Porque a convergência, para além de uma escolha social, é também uma determinação técnica.
No quadro da apropriação empresarial da convergência dos media na internet fala-se muitas vezes dos media tradicionais (os grande estúdios, as mega-editoras, a Walt Disney, os grande conglomerados de media), fala-se algumas vezes dos gigantes tipo Google, Facebook, Twitter, etc (que eu tentei apresentar como "os novos media" num trabalho que ainda não posso divulgar), mas esquece-se quase sempre estes actores, que "passam por entre os pingos da chuva" como se não fosse nada com eles: os fornecedores de acesso.
O que era a Meo (ou a Zon) há 25 anos atrás? O que era a At&T ou a Comcast há 35 anos atrás? Eu ainda me lembro de como aquilo que eram os TLP-Telefones de Lisboa e Porto se transformaram nos dois gigantes que são hoje a Meo e a Zon. Qual será a magnitude de acumulação de riqueza que explica esta transformação? E de onde vem esse dinheiro? Estas perguntas impõem-se sempre que vejo os anúncios da mais recente campanha da Meo, que tem precisamente a convergência dos media como eixo central. A convergência de media pode transformar-se em apenas isto: uma nova proposta comercial ao serviço afinal, não dos media ou dos fornecedores de informação, mas exclusivamente ao serviço dos donos das antenas e dos cabos em que a informação circula.
Eu já argumentei neste mestrado que a Google, o Facebook, o Twitter, o YouTube, etc, são na realidade os "novos media" (embora não com a documentação que gostaria). Falta-me analisar os fornecedores de acesso e a sua emergência como players principais no novo mundo da comunicação. Espero poder fazê-lo algures no decurso deste mestrado.

As contingências do discurso político no quadro da sociedade em rede

Este foi - de longe - o trabalho que me correu pior em todo o primeiro semestre. Por várias razões.
Primeiro porque a cadeira - Práticas Discursivas - é uma cadeira sui generis no contexto do mestrado, uma espécie de epifenómeno académico. O professor José Rebelo é um professor notável, à moda antiga, com um saber enciclopédico e - longe de irrelevante - com formação francófona numa área académica predominantemente anglo-saxónica. As suas aulas foram as melhores do semestre (com excepção das do professor Fausto Colombo, de que já falei aqui). Foi nas aulas do professor José Rebelo que voltei a ouvir falar de jornalismo no sentido clássico, de Baudrillard, Paul Ricoeur, Gilles Deleuze, Gilles Lipovetsky, Ortega y Gasset e, até, José Gil. Por isso, a avaliação muito centrada na análise linguística de um discurso foi para mim desde início uma dificuldade. Porque saía um pouco fora daquilo que pretendia fazer: contextualizar o estudo feito nesta cadeira com o caminho geral do mestrado; é isso que tenho procurado fazer sempre.
Segunda dificuldade: logo no princípio decidi que uma abordagem interessante seria analisar uma notícia de um jornal de referência - o Público ou o Expresso - e comparar essa notícia com os blogues de política que se referiam a ela. A ideia era usar uma notícia que tivesse a ver com a crise ou com a chamada "refundação do Estado Social", como esta, por exemplo. Pensei em fazê-lo usando o interessante serviço de tracking Twingly, que o Público era na altura (e penso que ainda é) o único grande media português a utilizar. Ora, só para me lixar (!!!) os senhores do Público decidiram mudar o site (e suspender temporariamente o serviço Twingly) justamente na semana/semanas em que eu tinha que fazer a avaliação.
Ou seja - terceira dificuldade - acabei por escolher um pouco à pressa o discurso que ia analisar e escolhi a carta dirigida por António José Seguro a Pedro Passos Coelho a propósito da refundação do memorando de entendimento, um documento tão inócuo como o seu autor. A ideia era analisar de que forma o exercício desse discurso era contingente, limitado e e condicionado pelas envolventes políticas e pela necessidade de tentar controlar os seus efeitos, e de que forma a respectiva interpretação e leitura ao nível da blogosfera era diversa, incondicionada e de certa maneira, incontrolável. Daí a referência à deterioração das condições de controlo do discurso político por parte dos agentes políticos. E isso era exactamente o que me interessas estudar nesta cadeira. E que - sinceramente - acho que devia ter ficado muito mais bem estudado. É portanto um tema a que gostaria de voltar mais à frente. Porque a consequência lógica da crescente dificuldade que os agentes políticos têm em controlar as condições de recepção e interpretação do discurso político é naturalmente o divórcio entre representantes e representados. E isso, tem tudo a ver com a situação política mais abrangente que hoje vivemos na maioria das democracias representativas.
Aliás, eu tenho centrado muito os meus estudos sobre as transformações da comunicação e das tecnologias de informação nas respectivas vertentes sociais e económicas. E isso tem sido propositado. Mas acredito sinceramente que é no campo político que essas transformações serão mais importantes e significativas. Esse é outro assunto que um dia gostaria de estudar. E se já li muitas coisas que me pareceram bastante interessantes do ponto de vista de explicarem o que é que se está transformar nas sociedades em termos económicos e sociais por causa da revolução da comunicação em curso, ainda não encontrei um autor que satisfatoriamente fizesse o mesmo no que se refere à política. Porque parece evidente a qualquer espírito lúcido que a magnitude das transformações em curso não podem deixar de ter um impacto massivo na política (o autor que mais se aproximou, na minha opinião, terá sido Daniel Innerarity; e gostaria de voltar a ele aqui um dia destes). Essa parte fica para o doutoramento... ;)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A inscrição da internet em McLuhan, Baudrillard e Habermas

A ideia para este trabalho para a cadeira de Teorias em Média e Comunicação surgiu durante uma aula em que falávamos de Habermas e da "esfera pública". Atendendo a que Habermas ainda é vivo, fiquei curioso de saber o que acharia ele da actual internet, uma vez que me parecia óbvio que dificilmente se poderia "inventar" algo que fosse tão obviamente a materialização - sublimada até - da referida "esfera pública".
Por outro lado, como não queria fazer o trabalho só sobre um autor, decidi juntar Baudrillard e McLuhan dentro do mesmo contexto: tentar perceber de que forma é que a internet veio desconstruir ou confirmar - se é que veio - as teorias de cada um deles sobre os mass media. Para mim, era também uma forma de conhecer melhor os 3 autores. Conhecia razoavelmente as teses principais de cada um, mas apenas tinha lido directamente Baudrillar, há muitos, muitos anos (aliás foi curioso recuperar os velhos e poeirentos "Para uma crítica da economia política do signo" e "A sociedade de consumo" para os redescobrir cheios de notas e apontamentos à margem sobre teorias da comunicação feitas por volta de 88/89...).
Percebi rapidamente que cada um destes autores dava um livro! Quanto mais um pequeno "paper"! Houve uma altura em que cheguei a pensar em fechar a coisa em McLuhan (foi o primeiro) e esquecer os outros. Mas, por outro lado, os outros - sobretudo Habermas - eram aqueles que tinha mais curiosidade de investigar. No fim, lá consegui levar a coisa até ao fim, com quase 20 páginas, que depois reduzi para pouco mais de 10 com alguns cortes e "engenharia de word".
Mas, como se pode ver pela bibliografia, este trabalho deu mesmo MUITO trabalho! Serviu-me de lição para os restantes! Foi uma espécie de tratamento de choque. Percebi que, se demorasse tanto a fazer os outros 4 trabalhos como tinha demorado a fazer este, nunca os iria conseguir entregar a todos. E por isso tive a preocupação de delimitar melhor os temas a partir daí.
Sobre o conteúdo do trabalho propriamente dito, só o "futurista" McLuhan é que verdadeiramente "entende" o que é a internet. Mesmo nunca a tendo conhecido! Baudrillard também tem algumas teses interessantes (as potenciais leituras "baudrillardianas" dos mundos virtuais, por exemplo, são intelectualmente muito estimulantes e gostaria de poder voltar a elas). Quanto a Habermas, o seu conservadorismo é realmente uma desilusão. A sua leitura da deterioração da "esfera pública" no tempo dos mass media é muito acertada, mas a sua recusa de aceitar o potencial democratizador da internet é frustrante.
Gostei de fazer este trabalho e sinto que aprendi bastante dos "basics", que era exactamente o que pretendia!


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

The Power of Google!

"MasterPlan - About the Power of Google" é um dos muitos documentários que podemos encontrar no YouTube (ironia...) sobre a ameaça que constitui a quantidade de informação abertamente ou sub-repticiamente recolhida pela Google (e outras empresas semelhantes) no quadro da nova sociedade em rede em que vivemos.

Para a cadeira de Participação Política e Poder na Era Digital, esse era um tema que desde muito cedo pensava abordar, embora não soubesse bem como. Quando falámos em aula sobre a forma como o Poder dos media se manifesta em sociedade, decidi que era por aí que iria. Depois, tive a sorte de me calhar em sorte um texto de Dan Schiller - "Power Under Pressure" - para uma apresentação em aula.

O resultado foi uma espécie de 2 em 1: uma apresentação em aula feita em grupo com o Tiago e um trabalho sobre a forma como a alteração da paisagem mediática afecta as relações de Poder dos media em sociedade.

Para a apresentação em aula escolhemos o Prezi e fizemos isto que está aqui:



Para o trabalho propriamente dito juntei Manuel Castells (o excelente "Communication Power"), Yochai Benkler (que já disse aqui que é um génio!) e o já referido Dan Schiller. Benkler é um optimista, Schiller é um pessimista e Castells é... um realista. No sentido em que o potencial "revolucionário" das mudanças é evidente, mas a forma como se materializarão irá depender dos factores políticos, económicos e sociais que as revestem.

Neste trabalho argumento que "com a deterioração do modelo de negócio dos media tradicionais e a expansão dos modelos de negócio dos “novos media” - como a Google, o Facebook e o Twitter, por exemplo - assistimos a uma recomposição do poder económico à escala global que provoca alterações na relação de forças entre os vários intervenientes na cadeia informativa e também na articulação entre as diversas fontes de poder." E é isto - precisamente isto - que é preciso perceber para não embarcarmos em utopias ou em teorias da conspiração como a do video citado no início. A realidade é muitos mais complexa do que qualquer dessas duas coisas. Para sorte de quem a pretende estudar!

PPPED-Os Novos Media e o Seu Poder by José Moreno

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Toda a informação científica devia ser livre!

Quando eu fiz a minha licenciatura ainda não havia internet, nem Google Scholar, nem papers em fomato digital - sim foi assim há tanto tempo! Basicamente, estudávamos pelos nosso apontamentos, por livros e por sebentas, normalmente sebosas.

Quando iniciei o mestrado calculei que o método de estudo fosse agora bastante diferente, como seria de esperar. E é. Como sabia que hoje quase toda a informação de que precisamos está disponível online de uma forma ou de outra, e que portanto os materiais de estudo e investigação também o estariam, houve uma coisa que para mim foi uma surpresa desde o primeiro dia: os repositórios de papers académicos com acesso pago ou reservado. Vocês imaginem - quem estuda não precisa de imaginar! - a frustração que é procurar aquele paper que aborda a questão exactamente naquela perspectiva; ou que tem exactamente os dados de que precisamos, e descobrir que só conseguimos ler o resumo e o resto tem que ser pago ou descarregado com um login e password obscuros! O que sentimos, precisamente, é que estamos perante um obstáculo que não devia lá estar. Sentimo-nos perante uma injustiça! Eu não sei quais são as razões económicas ou outras - se é que as há - para que isto seja assim. Mas trata-se de trabalhos académicos! Feitos apenas com objectivos académicos!  Talvez um dia alguém me consiga explicar, mas de momento não consigo entender isto!

Confesso que não conhecia Aaron Swartz antes do seu desaparecimento recente. E só quando li informações biográficas sobre ele é que percebi que isto era justamente o que o tinha indignado há uns anos atrás. E que ele fez aquilo que - heroicamente - devia ter feito: tornar publicamente acessível aquilo que nunca devia ser outra coisa que não publicamente acessível.

Espero que o acesso restrito aos trabalhos académicos acabe rapidamente pois é uma vergonha!

[mais sobre Aaron Swartz]
Das muitas coisas partilhadas recentemente sobre Aaron Swartz, gostei particularmente deste pequeno texto de 2008, que em ele explica porque razão os trabalhos académicos não deviam ser pagos, e deste video aqui em baixo, com uma palestra em 2012. Vale a pena ver!

sábado, 5 de janeiro de 2013

Convergência dos media

Só porque, quando li, me pareceu importante:

"Convergence is both a top-down corporate-driven process and a bottom-up consumer-driven process. Media companies are learning how to acceler- ate the flow of media content across delivery channels to expand revenue opportunities, broaden markets and reinforce viewer commitments. Consumers are learning how to use these different media technologies to bring the flow of media more fully under their control and to interact with other users.(...) Sometimes, these two forces reinforce each other, creating closer, more rewarding, relations between media producers and consumers. Sometimes, these two forces are at war (...). Media producers are responding to these newly empowered consumers in contradictory ways, sometimes encouraging change, sometimes resisting what they see as renegade behavior.
(...) The so-called media companies are not behaving in a monolithic fashion here; often, in fact, different divisions of the same company are pursuing radically different strategies, reflecting their uncertainty about how to proceed."
Henry Jenkins, "The Cultural Logic of Media Convergence", 2004.