sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Simulacros e simulações

"The simulacrum is never that which conceals the truth - it is the truth which conceals that there is none. The simulacrum is true. "
Ecclesiastes


Esta citação está no início do "Simulacra and Simulation" de Jean Baudrillard. Na internet especula-se sobre a origem real da citação - parece que a fonte ainda não foi encontrada - mas uma coisa é certa: encaixa como uma luva nas teses de Baudrillard.
E, depois, é uma frase que dá que pensar!

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Google, Facebook e Twitter: os novos media

Lembrei-me desta tese quando estava a preparar o draft inicial para um trabalho para uma das cadeiras do mestrado. O tema tem a ver com a desregulação do negócio dos media e isto, naturalmente, está relacionado. Provavelmente, ainda vai fazer parte da tese:
"Mas há outro aspecto – completamente separado deste – em que este alvoroço em torno da Google suscita reflexões interessantes. Que é este: para mim é sempre muito curioso ver a agressividade com que estas empresas – Google, Facebook, Twitter – procuram manter ou conquistar territórios negociais. Como se não soubessem muito bem o que é que na realidade fazem ou estarão a fazer daqui a 5 anos. E na verdade é isso mesmo que acontece. A Google é utilizada universalmente, o Facebook tem mais de 800 milhões de utilizadores e o Twitter está presente em todos os continentes e em todas as latitudes. No entanto, nenhuma as 3 empresas parece ter um modelo de negócio seguro (na verdade, o Twitter ainda está à procura dele). O Facebook, por exemplo, só hoje entrou em bolsa. E todas as valorizações incrementais que ao longo dos últimos anos lhe foram sendo atribuídas não eram mais afinal do que “expectativas de valor”, tal como, de certa forma, ainda são hoje, mesmo com a cotação em bolsa. Ou seja: percebe-se que qualquer destas empresas tem um potencial enorme, mas percebe-se pior qual é realmente o seu negócio do dia-a-dia, por comparação com essa expectativa. Mesmo no caso da Google. Claro que a Google faz milhões em publicidade, mas faz esses milhões com biliões de utilizadores e triliões de utilizações. Como sabe bem quem explora um media tradicional e o respectivo website, ganha-se mais dinheiro por cada “eyeball” no papel, por exemplo, do que com 100 na web. O que isso significa é que só a escala salva a Google (e o Facebook, que tem o mesmo modelo de negócio). Se não fosse a escala enorme em que estas empresas se movimentam – Google, Facebook, Twitter, etc – qualquer delas seria um insucesso económico. Porque é que não há concorrentes (reais) da Google ou do Facebook ou do Twitter? Já pensaram? É por isso mesmo: porque concorrentes mais pequenos não têm escala para serem rentáveis! Para termos uma noção da situação basta imaginarmos o que seria uma BP ou um Wal-Mart com mais de 800 milhões de clientes! É esta a escala a que operam estes gigantes com pés de barro!

Por isso é um erro dizer que estas empresas estão a mudar o modelo de negócio. Wrong! Elas estão a “pulverizar” o modelo de negócio! Isso sim! Como aliás os media tradicionais sabem muito bem.  É óbvio que elas estão a “desregular” algo, mas não é claro que estejam a “regular” o que quer que seja! Provavelmente ainda iremos descobrir que no futuro os negócios estarão organizados de uma maneira muito diferente. Ou até que não haverá negócios, apenas serviços sem fins lucrativos! Não sabemos como será o futuro. Mas sabemos que provavelmente não é isto que hoje temos: um gigante em cada sector, com uma escala enormíssima e uma rentabilidade minúscula.

O que parece – hoje – é que estes gigantes – Google, Facebook, Twitter — são mais plataformas do que empresas; são mais um serviço público do que um negócio. E é por isso – só por isso! – que esperamos que elas estejam do lado do Bem e não do lado do Mal! E é por isso que tantas vezes nos incomodamos e revoltamos com os seus “termos de serviço” e as suas “políticas de privacidade”. Alguém alguma vez procurou saber quais são os Termos de Serviço e a Política de Privacidade do Pingo Doce?

Isto está mesmo a mudar. Muito e depressa. Não sabemos é para onde!"

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Digital divide... ou... technological tsunami?

E vocês ainda acham que o digital divide pode ser um objecto de estudo??


É como estudar as conchas da praia no dia do tsunami!

Bravo, signore Colombo!

Duas excelentes aulas, ontem e hoje, com o professor Fausto Colombo, da Universidade Católica de Milão, para a cadeira de Questões Europeias de Cultura e Comunicação.

Falámos de digitalização dos media, do fosso geracional, da nostalgia, de Foucault na era da web 2.0, dos modelos de negócio digitais, da expressão moderna do self e das redes sociais na política. Quem está na rede Academia pode ver aqui vários trabalhos.

Toda a gente adorou e - não tenho dúvidas - muitos de nós decidiram os seus papers nestes dois dias!

Bravo, signore Colombo!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Mundividência, "lifeworld" e ideologia

São ou não são curiosas as semelhanças entre os conceitos de "mundividência" - a nossa maneira de ver o mundo (ou "mundivivência" - a nossa maneira de "viver" o mundo!) - como melhor tradução possível para o "lifeworld" de Habermas, por um lado, e o conceito de "ideologia", historicamente carregado de significados, por outro?
A diferença é que o conceito de "mundividência" está antes da política e incorpora-a. É um conceito puro e sociológico. E por isso é politicamente agnóstico, como devem ser todos os conceitos científicos e aqueles que realmente explicam o mundo!

Já agora, só por curiosidade...

O que é que McLuhan acharia dos tablets?

No seu "The Structural Transformation of the Public Sphere", de 1962, Jürgen Habermas estabelece a determinado ponto uma diferença óbvia entre os meios impressos - ele desenvolveu sua a teorização da esfera pública sobretudo a partir dos  jornais - e os meios electrónicos, como a rádio, o filme e a televisão, considerando que nos primeiros o leitor tinha que manter com o media uma certa distância. Distância essa, que, naturalmente, facilitava o seu domínio da respectiva apropriação e portanto a "racionalização" da sua relação com ele. Isto já é em parte interpretação minha, mas parece seguro deduzir que para Habermas os media electrónicos impunham-se ao individuo de uma forma imediata e isenta de interpretação.  E era isso que impedia a realização do ideal de esfera pública no quadro dos modernos mass media (Habermas explicou-o de uma forma "um pouco" mais complexa).

O conceito de media "quente" ou "frio" é dos mais controversos e diferentemente interpretados de Marshal McLuhan. Na verdade, suponho que ainda ninguém percebeu muito bem o que é que ele queria dizer com aquilo. Mas existe aqui um curioso cruzamento entre as duas ideias. De facto, existe uma diferença óbvia entre a escrita e os meios electrónicos no envolvimento que exigem. Se os meios electrónicos são extensões óbvias dos olhos e dos ouvidos, a escrita não o é (ou é - quando muito - uma extensão da visão substancialmente diferente de um televisor, por exemplo). A escrita exige sempre um processo de descodificação (racional) que estabelece uma distância e uma postura interpretativa diferente dos outros. E isso faz toda a diferença em termos da nossa capacidade para racionalizarmos sobre o que nos chega por essa via. Isto - se não foi - devia ser estudado!

Outra coisa: neste contexto dos media como extensões dos sentidos, seria interessante saber o que Marshal McLuhan acharia dos tablets. À primeira vista diríamos que iria considerá-los uma extensão do tacto. Mas - como sabemos -McLuhan não era muito dado a interpretações convencionais. E - de facto -  assim que pensamos um pouco melhor no assunto percebemos que afinal podem ser bem mais do que isso. É impossível que a forma como interagimos com a realidade (sim, realidade!) cada vez mais através de ecrãs tácteis não tenha consequências ao nível da nossa forma e das nossas expectativas de apropriação do mundo. Isto - se não foi - também devia ser estudado!

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Só para quem achava que McLuhan era um utopista...


"I am resolutely opposed to all innovation, all change, but I am determined to understand what’s happening. Because I don’t choose just to sit and let the juggernaut roll over me. Many people seem to think that if you talk about something recent, you’re in favor of it. The exact opposite is true in my case. Anything I talk about is almost certainly something I’m resolutely against. And it seems to me the best way to oppose it is to understand it. And then you know where to turn off the buttons."

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O Megaupload segundo Habermas



Esta entrevista de Kim Dotcom é a todos os títulos notável. Quem achar que o Megaupload é que é o problema é porque realmente não percebe nada do que se está a passar.

Em primeiro lugar porque  Kim Dotcom exibe, um a um, todos os argumentos - todos! - que defendem empresas como a sua em casos como o seu. E que explicam, de uma forma cristalina, como ele (ainda por cima por causa da sua personalidade exuberante e exibicionista) está a ser usado como exemplo e como bode expiatório. Faz lembrar Julian Assange e o paralelo está longe de ser inocente.

Em segundo lugar porque - como ele afirma, e bem! - a Microsoft também o está a fazer, a Google também, até a Ubuntu. Ou seja: ele é, como a Google, o Facebook, o Twitter ou o Instagram, um intermediário. Ele é o middle man. E culpar hoje o middle man é o mesmo que culpar o mensageiro. Confrontar o mensageiro - seja ele o Megaupload ou a Google - é desviar a atenção do essencial. O que importa, o que realmente importa, é aquilo que está a acontecer entre os pontos que o mensageiro une.

E é aí que entra Habermas. O que eu acho que está a acontecer, sinceramente, é desmercatilização da informação. A informação está a deixar de ter valor comercial. Habermas explicou como o lado comercial da informação destruiu o jornalismo, a esfera pública e a própria política. Pois bem, aquilo perante que estamos é exactamente a inversão desse caminho: a informação, que deixou de ter valor comercial por efeito da sua abundância, volta a instituir as virtudes clássicas do jornalismo - a internet é hoje uma réplica quase perfeita do jornalismo literário de Habermas - volta a instituir uma verdadeira esfera pública (já agora.. global) e repõe o primado da política. O mundo de hoje não pode deixar de ser, aos olhos de Habermas, um  mundo melhor!

Marshal McLuhan

Marshal McLuhan por volta de 1963-64.
Reparem no trecho a partir do minuto 1:07


"Em vez de comprar um livro, do qual foram impressas 5.000 cópias, uma pessoa irá ao telefone, descreve as suas necessidades, os seus problemas, e eles, com ajuda de todas as bibliotecas do mundo vão imprimir em xerox um exemplar só para si, pessoal, não para ser vendido na livraria, e enviam-lhe o livro como um serviço pessoal. É neste caminho que vamos, com as informações electrónicas." 

Na altura ainda não havia internet...

sábado, 3 de novembro de 2012

Leituras de Habermas

Dos grandes teóricos da história dos estudos de media, Habermas é um dos que conheço pior. O que conheço dele é aquilo que da sua vasta produção teórica "transbordou" para outros pensadores que lhe são posteriores. Por isso, foi sempre para mim uma figura distante.

Estou a estudá-lo agora, em preparação para um trabalho para a cadeira de Teorias em Média e Comunicação.

Daquilo que tenho estado a ler, gostaria de destacar duas ideias que me parecem interessantes e implicações ainda mais interessantes.

A primeira é a de que as primeiras motivações dos jornalistas eram políticas e que só quando o sistema político burguês se solidificou é que os jornalistas se puderam libertar da sua função política e "aproveitar" (a palavra é dele) as possibilidades comerciais da sua actividade (o que viria a dar nos modernos mass media). E - se olharmos para o presente - até cá em Portugal - é impossível não re não parar como essa observação encaixa como uma luva na realidade, em que temo duas, só duas, razões para que um meio de comunicação social exista: políticas ou económicas. Se olhas para um jornal e não vislumbras razões económicas para a sua existência, então procura as razões políticas. Se olhas para outra e não vês razões políticas, então é porque ele existe por razões económicas. Claro que tanto em ambos os casos estamos perante instrumentos de poder. Mas isso levaria-nos para outras discussões e... para outros autores.

A segunda ideia interessante relaciona-se com a forma como ele descreve a ascensão da burguesia como resultado da sua "modernidade" em relação aos restantes estados da sociedade feudal. Habermas não o afirma, nem sequer o pergunta, mas eu fiquei a questionar-me se não terá sido essa "modernidade" que levou ao seu triunfo histórico. E, por modernidade, entendo aqui simultaneamente o domínio das novas técnicas/tecnologias e o domínio dos conhecimentos (económicos) necessários à nova economia que então se estava a criar. Ou seja - consequência lógica - será que a história pode ser lida à luz do progresso tecnológico? É uma boa hipótese de investigação que - a avaliar pelo que tenho vindo a perceber neste primeiros tempos de mestrado - já alguém certamente investigou...