Este foi - de longe - o trabalho que me correu pior em todo o primeiro semestre. Por várias razões.
Primeiro porque a cadeira - Práticas Discursivas - é uma cadeira sui generis no contexto do mestrado, uma espécie de epifenómeno académico. O professor José Rebelo é um professor notável, à moda antiga, com um saber enciclopédico e - longe de irrelevante - com formação francófona numa área académica predominantemente anglo-saxónica. As suas aulas foram as melhores do semestre (com excepção das do professor Fausto Colombo, de que já falei aqui). Foi nas aulas do professor José Rebelo que voltei a ouvir falar de jornalismo no sentido clássico, de Baudrillard, Paul Ricoeur, Gilles Deleuze, Gilles Lipovetsky, Ortega y Gasset e, até, José Gil. Por isso, a avaliação muito centrada na análise linguística de um discurso foi para mim desde início uma dificuldade. Porque saía um pouco fora daquilo que pretendia fazer: contextualizar o estudo feito nesta cadeira com o caminho geral do mestrado; é isso que tenho procurado fazer sempre.
Segunda dificuldade: logo no princípio decidi que uma abordagem interessante seria analisar uma notícia de um jornal de referência - o Público ou o Expresso - e comparar essa notícia com os blogues de política que se referiam a ela. A ideia era usar uma notícia que tivesse a ver com a crise ou com a chamada "refundação do Estado Social", como esta, por exemplo. Pensei em fazê-lo usando o interessante serviço de tracking Twingly, que o Público era na altura (e penso que ainda é) o único grande media português a utilizar. Ora, só para me lixar (!!!) os senhores do Público decidiram mudar o site (e suspender temporariamente o serviço Twingly) justamente na semana/semanas em que eu tinha que fazer a avaliação.
Ou seja - terceira dificuldade - acabei por escolher um pouco à pressa o discurso que ia analisar e escolhi a carta dirigida por António José Seguro a Pedro Passos Coelho a propósito da refundação do memorando de entendimento, um documento tão inócuo como o seu autor. A ideia era analisar de que forma o exercício desse discurso era contingente, limitado e e condicionado pelas envolventes políticas e pela necessidade de tentar controlar os seus efeitos, e de que forma a respectiva interpretação e leitura ao nível da blogosfera era diversa, incondicionada e de certa maneira, incontrolável. Daí a referência à deterioração das condições de controlo do discurso político por parte dos agentes políticos. E isso era exactamente o que me interessas estudar nesta cadeira. E que - sinceramente - acho que devia ter ficado muito mais bem estudado. É portanto um tema a que gostaria de voltar mais à frente. Porque a consequência lógica da crescente dificuldade que os agentes políticos têm em controlar as condições de recepção e interpretação do discurso político é naturalmente o divórcio entre representantes e representados. E isso, tem tudo a ver com a situação política mais abrangente que hoje vivemos na maioria das democracias representativas.
Aliás, eu tenho centrado muito os meus estudos sobre as transformações da comunicação e das tecnologias de informação nas respectivas vertentes sociais e económicas. E isso tem sido propositado. Mas acredito sinceramente que é no campo político que essas transformações serão mais importantes e significativas. Esse é outro assunto que um dia gostaria de estudar. E se já li muitas coisas que me pareceram bastante interessantes do ponto de vista de explicarem o que é que se está transformar nas sociedades em termos económicos e sociais por causa da revolução da comunicação em curso, ainda não encontrei um autor que satisfatoriamente fizesse o mesmo no que se refere à política. Porque parece evidente a qualquer espírito lúcido que a magnitude das transformações em curso não podem deixar de ter um impacto massivo na política (o autor que mais se aproximou, na minha opinião, terá sido Daniel Innerarity; e gostaria de voltar a ele aqui um dia destes). Essa parte fica para o doutoramento... ;)
Blogue de acompanhamento ao Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação do ISCTE-IUL, anos lectivos 2012-2013. Reflexões sobre os temas tratados. Ligações relevantes e informações complementares.
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domingo, 17 de fevereiro de 2013
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Jean Baudrillard e a inscrição "ideológica" da objectividade jornalística na sociedade
Ontem, na aula de Teorias em Média e Comunicação, ouvi falar outra vez de Harold Lasswell, com a teoria hipodérmica, e de Paul Lazarsfeld com o seu Two-Step Flow of Comunication. Nomes e conceitos que não ouvia - e não utilizei - desde que fechei os livros há 20 anos. Fizeram-me falta? Nem por isso. Foram-me úteis? Certamente!
É muito curioso que, em 20 anos de jornalismo, nunca, que me lembre, tenha utilizado nenhum desses autores - ou as suas teses - em qualquer discussão ou decisão editorial. E no entanto a sensação que tenho é que eles estiveram lá sempre presentes, como fantasmas, por detrás do trabalho jornalístico de todos os dias.
Lembrei-me então das críticas que, enquanto jovens, fazíamos, quase todos, ao carácter muito teórico e pouco "profissionalizante" do nosso curso do ISCSP. Já na altura assim me parecia e agora confirmo: não há nada mais útil do que uma boa teoria!
Hoje, na aula de Práticas Discursivas do professor José Rebelo, voltei a recordar um nome longamente esquecido - Jean Baudrillard. Noutra aula já tínhamos falado também de Gilles Lipovetsky - dois autores que me lembro de ter lido há muitos muitos anos com ainda maior interesse.
Falámos de Jean Baudrillard a propósito desta tese fantástica: Os mass media procuram o maior denominador comum entre todos os públicos, procuram os temas do interesse do maior número possível de potenciais leitores/espectadores/ouvintes, procurando não hostilizar nenhuns. É neste contexto que se desenvolve o discurso da objectividade que vem até aos nossos dias. Ou seja - interpretação minha - a crença na objectividade jornalística (e a sua procura, pelo menos) é o resultado de um longo processo de inscrição ideológica do jornalismo na sociedade. Ou seja, o paradigma de comunicação vigente numa determinada época tende a inscrever-se ideologicamente na sociedade em que se insere e à qual serve. Hoje, vivemos provavelmente os dias finais de um paradigma de comunicação e da correspondente inscrição ideológica na sociedade. Já se discute o conceito de objectividade (ele inclusivamente já saiu do código deontológico), mas ainda se toma a objectividade como um valor de referência (aliás, depois da aula isso foi naturalmente tema de discussão acesa!)
A minha impressão é que, à revolução em curso no paradigma de comunicação, corresponderá uma "pulverizacão" completa do conceito de objectividade informativa. Com a profusão de blogues, redes sociais, plataformas de imagem e video, em que cada indivíduo pode ser autor/emissor, a subjectividade predomina sobre a objectividade. Isso já é notório em muitos aspectos e tenderá a sê-lo cada vez mais. Obviamente - como se comentava na discussão posterior - assim que largamos a objectividade como referencial (mesmo que o substituamos por algo como "honestidade"), abrimos caminho ao relativismo. E isso, hoje, a nós, ainda filhos da inscrição ideológica referida acima, suscita-nos muitas dúvidas.
Mas, se calhar, também é para isso que serve um mestrado... Não para nos dar certezas, mas para nos levantar dúvidas!
É muito curioso que, em 20 anos de jornalismo, nunca, que me lembre, tenha utilizado nenhum desses autores - ou as suas teses - em qualquer discussão ou decisão editorial. E no entanto a sensação que tenho é que eles estiveram lá sempre presentes, como fantasmas, por detrás do trabalho jornalístico de todos os dias.
Lembrei-me então das críticas que, enquanto jovens, fazíamos, quase todos, ao carácter muito teórico e pouco "profissionalizante" do nosso curso do ISCSP. Já na altura assim me parecia e agora confirmo: não há nada mais útil do que uma boa teoria!
Hoje, na aula de Práticas Discursivas do professor José Rebelo, voltei a recordar um nome longamente esquecido - Jean Baudrillard. Noutra aula já tínhamos falado também de Gilles Lipovetsky - dois autores que me lembro de ter lido há muitos muitos anos com ainda maior interesse.
Falámos de Jean Baudrillard a propósito desta tese fantástica: Os mass media procuram o maior denominador comum entre todos os públicos, procuram os temas do interesse do maior número possível de potenciais leitores/espectadores/ouvintes, procurando não hostilizar nenhuns. É neste contexto que se desenvolve o discurso da objectividade que vem até aos nossos dias. Ou seja - interpretação minha - a crença na objectividade jornalística (e a sua procura, pelo menos) é o resultado de um longo processo de inscrição ideológica do jornalismo na sociedade. Ou seja, o paradigma de comunicação vigente numa determinada época tende a inscrever-se ideologicamente na sociedade em que se insere e à qual serve. Hoje, vivemos provavelmente os dias finais de um paradigma de comunicação e da correspondente inscrição ideológica na sociedade. Já se discute o conceito de objectividade (ele inclusivamente já saiu do código deontológico), mas ainda se toma a objectividade como um valor de referência (aliás, depois da aula isso foi naturalmente tema de discussão acesa!)
A minha impressão é que, à revolução em curso no paradigma de comunicação, corresponderá uma "pulverizacão" completa do conceito de objectividade informativa. Com a profusão de blogues, redes sociais, plataformas de imagem e video, em que cada indivíduo pode ser autor/emissor, a subjectividade predomina sobre a objectividade. Isso já é notório em muitos aspectos e tenderá a sê-lo cada vez mais. Obviamente - como se comentava na discussão posterior - assim que largamos a objectividade como referencial (mesmo que o substituamos por algo como "honestidade"), abrimos caminho ao relativismo. E isso, hoje, a nós, ainda filhos da inscrição ideológica referida acima, suscita-nos muitas dúvidas.
Mas, se calhar, também é para isso que serve um mestrado... Não para nos dar certezas, mas para nos levantar dúvidas!
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