Um ponto de situação rápido sobre publicação de artigos. O estado da coisa neste momento é o seguinte: três artigos em língua portuguesa enviados para a OBS*, dois publicados, um recusado; um artigo enviado para uma revista estrangeira de topo recusado, depois reenviado para outra revista e presentemente em apreciação.
A notícia de hoje é muito boa e trata-se da publicação do segundo artigo resultante do mestrado na revista OBS*. E porque é que é uma notícia particularmente boa. Primeiro porque é um artigo que eu gostei muito de fazer e segundo porque é um artigo central na investigação que pretendo fazer e também - arrisco - no quadro analítico que é preciso ter para perceber na plenitude o que está a acontecer à produção, transmissão e consumo de informação no quadro da sociedade em rede. Quando abordamos numa perspectiva holista - como eu tentei fazer - percebemos que a passagem do analógico para o digital é o factor individual que melhor explica a multiplicidade de fenómenos sociais que eclodem à nossa volta na apropriação social das tecnologias de informação e comunicação. Não é o Google, nem é o Facebook, nem são os smartphones ou os tablets ou mesmo a internet - em sim mesma - que explicam essas transformações sociais (e económicas, e culturais!); é este simples facto da passagem do analógico para o digital. Por isso, compreender isto na plenitude é também, penso eu, uma condição para perceber verdadeiramente o que pode acontecer no futuro próximo. É em parte com base nesta reflexão que eu já tenho opinado que quem nos media continua a pensar em termos de "conteúdo" está a passar ao lado do problema. O "conteúdo" é incompatível com o digital. No mundo digital não existe "conteúdo" porque não existe "forma". E isso obriga-nos a repensar toda a questão. Eu percebi isso quando estava a fazer este trabalho e espero que quem o leia também perceba isso (se não perceber... é porque está mal escrito!).
Quando comecei a fazer o mestrado, não sabia que ia fazer este trabalho e nunca tinha pensado nele. Entrei no mestrado com um caminho teórico delineado. Só à media que ia estudando o assunto percebi que esta questão - a passagem do analógico para o digital - devia ser considerada e, embora lateral ao corpo central da minha investigação, seria determinante do mesmo. Não é possível, por exemplo, pensar a questão do modelo do negócio dos media e do valor da informação sem considerar também, como pano de fundo, a migração da nossa civilização do analógico para o digital. Depois de fazer o trabalho (e até à medida que o releio) fico com a ideia que está é de facto um dos trabalhos mais importantes que fiz no mestrado. Se tivesse que começar de novo, talvez começasse por aqui...
Blogue de acompanhamento ao Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação do ISCTE-IUL, anos lectivos 2012-2013. Reflexões sobre os temas tratados. Ligações relevantes e informações complementares.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
Ainda faz sentido a actualidade das notícias?
Há poucos dias um video de Maria João Pires, confrontada com um concerto (ou um ensaio, já veremos) para o qual não estava preparada tornou-se viral nas redes sociais.
A história tinha começado num jornal inglês - The Telegraph - sem ser claro se era um acontecimento recente; e era acompanhada de um video - alojado no YouTube - que era um trecho de um documentário mais longo cuja proveniência também não era clara.
Depois de a história se tornar viral nas redes sociais, quase todos os media portugueses - e até alguns espanhóis - pegaram no assunto (como se pode ver aqui) e, ou reproduziram a história ou reproduziram o video. Primeiro facto curioso: quase nenhum acertou nas circunstâncias em que o episódio ocorreu ou quando ocorreu: foi há um ano? foi há 3 anos? Na verdade, se estiver correcto o esclarecimento "histórico" deste post no Facebook, a coisa ocorreu há 15 anos (!!!) e foi num ensaio e não num concerto.
Obviamente que é curioso que os media vão atrás das redes sociais. Isso, em si mesmo, já é motivo de reflexão para quem trabalha nos ou estuda os media. Mas isso, sinceramente, já não é novidade! Tem acontecido recorrentemente a partir do momento em que o media perceberam que as histórias virais das redes sociais lhes podiam dar pageviews. Muitas pageviews!
O que é mais interessante é a forma como este e todos os casos semelhantes questionam o conceito de actualidade das notícias. Como se pode ver no post Facebook acima e nos respectivos comentários, o que está subjacente é uma crítica à "incompetência" dos media para tratarem, profissionalmente esta história (o que significaria, provavelmente, ignorá-la! Precisamente por causa da falta de "actualidade"). Mas eu acho que, a bem do debate, devíamos experimentar voltar a questão do avesso.
Tomemos-me a mim próprio como exemplo: eu não conhecia esta história. Nenhum dos media que li há 15 anos a reproduziu (que eu me lembre) e ninguém me a recontou nos últimos 15 anos. No entanto, eu achei a história fascinante assim que tive conhecimento dela. Por isso a reproduzi. Claro que se pode perguntar, neste ponto, se eu fui verificar a respectiva "actualidade". Mas isso é voltar a entrar na espiral do imperativo de "actualidade" que referi anteriormente.
Voltar a questão do avesso significa precisamente questionar: e se fosse a "actualidade" que estivesse errada? Porque razão é que seguimos o conceito de actualidade ao ponto de acharmos que os media são ridículos quando saem da agenda da "actualidade"?
O "caso" Maria João Pires é apenas mais um que demonstra como actualmente a circulação de informação se faz independentemente do conceito de actualidade. O que obriga a questionar se os media devem, hoje, seguir o imperativo da actualidade. A passagem do analógico para o digital tem, entre outras consequências profundas, essa (que não o é menos): a informação digital está sempre disponível e portanto o "tempo" da respectiva circulação não pode ser controlado, nem pelos media, nem por ninguém. Este video e esta história de Maria João Pires foi viral hoje, aqui, mas nada impede que não volte a reemergir daqui a 5 anos ou daqui a alguns meses noutro "local" diferente ("local" está entre aspas porque no mundo digital não há "locais", mas apesar de tudo ainda há relacionamento sociais online geograficamente fundados, ou seja, as nossas redes sociais ainda tendem a ser predominantemente "locais").
As transformações em curso na distribuição de informação na sociedade em rede geram epifenómenos como o do ressurgimento momentâneo desta história datada da pianista Maria João Pires. Embora isso possa parecer estranho, agarrar-mo-nos a categorias do antigamente - como a de "actualidade" - para explicar os fenómenos, pode gerar mais confusão do que clareza. O conceito de "timeless time" de Castells há muito que explica como e porquê o "tempo" assume contornos diferentes na sociedade em rede mediada por computadores. Ora, se o tempo, pela evolução das formas de comunicar em sociedade, se altera na sua natureza, porque razão não se deveria alterar o conceito de "actualidade" a que os media estão aparentemente tão imperiosamente submetidos? Os media podem ir atrás das histórias virais para conseguirem pageviews. E podem fazê-lo com mais ou menos "elegância". Mas nunca perceberão o que realmente está a acontecer enquanto não perceberem as consequências práticas dos conceitos de "timeless time" e "space of flows". Há "novos media" que - sem os constrangimentos da "actualidade", entre outros - estão a ocupar esse "espaço".
No limite é possível que a aceleração exponencial do tempo gere no final a sua supressão, como propõe Harmut Rosa no livro "Social Acceleration". Um "frenetic standstill" em que tudo acontece a todo o tempo e portanto nada muda na realidade e nada tem um rumo. Ou seja, a pós-história ou o fim da história. Aliás, se pensarmos que - como eu aprendi com Marc Bloch - a história começou com a invenção da escrita (o registo analógico dos acontecimentos), é pelo menos plausível que o registo digital dos acontecimentos altere novamente o conceito de história. Mas isso, é outra discussão... (to be continued).
P.S. Para quem achar que estas ideias são arrojadas, tenho um desafio ainda mais arrojado e - este sim - verdadeiramente assustador! Experimentem reler os parágrafos anteriores e substituir "actualidade" por "veracidade"...
A história tinha começado num jornal inglês - The Telegraph - sem ser claro se era um acontecimento recente; e era acompanhada de um video - alojado no YouTube - que era um trecho de um documentário mais longo cuja proveniência também não era clara.
Depois de a história se tornar viral nas redes sociais, quase todos os media portugueses - e até alguns espanhóis - pegaram no assunto (como se pode ver aqui) e, ou reproduziram a história ou reproduziram o video. Primeiro facto curioso: quase nenhum acertou nas circunstâncias em que o episódio ocorreu ou quando ocorreu: foi há um ano? foi há 3 anos? Na verdade, se estiver correcto o esclarecimento "histórico" deste post no Facebook, a coisa ocorreu há 15 anos (!!!) e foi num ensaio e não num concerto.
Obviamente que é curioso que os media vão atrás das redes sociais. Isso, em si mesmo, já é motivo de reflexão para quem trabalha nos ou estuda os media. Mas isso, sinceramente, já não é novidade! Tem acontecido recorrentemente a partir do momento em que o media perceberam que as histórias virais das redes sociais lhes podiam dar pageviews. Muitas pageviews!
O que é mais interessante é a forma como este e todos os casos semelhantes questionam o conceito de actualidade das notícias. Como se pode ver no post Facebook acima e nos respectivos comentários, o que está subjacente é uma crítica à "incompetência" dos media para tratarem, profissionalmente esta história (o que significaria, provavelmente, ignorá-la! Precisamente por causa da falta de "actualidade"). Mas eu acho que, a bem do debate, devíamos experimentar voltar a questão do avesso.
Tomemos-me a mim próprio como exemplo: eu não conhecia esta história. Nenhum dos media que li há 15 anos a reproduziu (que eu me lembre) e ninguém me a recontou nos últimos 15 anos. No entanto, eu achei a história fascinante assim que tive conhecimento dela. Por isso a reproduzi. Claro que se pode perguntar, neste ponto, se eu fui verificar a respectiva "actualidade". Mas isso é voltar a entrar na espiral do imperativo de "actualidade" que referi anteriormente.
Voltar a questão do avesso significa precisamente questionar: e se fosse a "actualidade" que estivesse errada? Porque razão é que seguimos o conceito de actualidade ao ponto de acharmos que os media são ridículos quando saem da agenda da "actualidade"?
O "caso" Maria João Pires é apenas mais um que demonstra como actualmente a circulação de informação se faz independentemente do conceito de actualidade. O que obriga a questionar se os media devem, hoje, seguir o imperativo da actualidade. A passagem do analógico para o digital tem, entre outras consequências profundas, essa (que não o é menos): a informação digital está sempre disponível e portanto o "tempo" da respectiva circulação não pode ser controlado, nem pelos media, nem por ninguém. Este video e esta história de Maria João Pires foi viral hoje, aqui, mas nada impede que não volte a reemergir daqui a 5 anos ou daqui a alguns meses noutro "local" diferente ("local" está entre aspas porque no mundo digital não há "locais", mas apesar de tudo ainda há relacionamento sociais online geograficamente fundados, ou seja, as nossas redes sociais ainda tendem a ser predominantemente "locais").
As transformações em curso na distribuição de informação na sociedade em rede geram epifenómenos como o do ressurgimento momentâneo desta história datada da pianista Maria João Pires. Embora isso possa parecer estranho, agarrar-mo-nos a categorias do antigamente - como a de "actualidade" - para explicar os fenómenos, pode gerar mais confusão do que clareza. O conceito de "timeless time" de Castells há muito que explica como e porquê o "tempo" assume contornos diferentes na sociedade em rede mediada por computadores. Ora, se o tempo, pela evolução das formas de comunicar em sociedade, se altera na sua natureza, porque razão não se deveria alterar o conceito de "actualidade" a que os media estão aparentemente tão imperiosamente submetidos? Os media podem ir atrás das histórias virais para conseguirem pageviews. E podem fazê-lo com mais ou menos "elegância". Mas nunca perceberão o que realmente está a acontecer enquanto não perceberem as consequências práticas dos conceitos de "timeless time" e "space of flows". Há "novos media" que - sem os constrangimentos da "actualidade", entre outros - estão a ocupar esse "espaço".
No limite é possível que a aceleração exponencial do tempo gere no final a sua supressão, como propõe Harmut Rosa no livro "Social Acceleration". Um "frenetic standstill" em que tudo acontece a todo o tempo e portanto nada muda na realidade e nada tem um rumo. Ou seja, a pós-história ou o fim da história. Aliás, se pensarmos que - como eu aprendi com Marc Bloch - a história começou com a invenção da escrita (o registo analógico dos acontecimentos), é pelo menos plausível que o registo digital dos acontecimentos altere novamente o conceito de história. Mas isso, é outra discussão... (to be continued).
P.S. Para quem achar que estas ideias são arrojadas, tenho um desafio ainda mais arrojado e - este sim - verdadeiramente assustador! Experimentem reler os parágrafos anteriores e substituir "actualidade" por "veracidade"...
domingo, 20 de outubro de 2013
Mestrado, ano 2
Começou o segundo ano de mestrado. Depois de ter publicado aqui todos os trabalhos submetidos a avaliação no primeiro ano, tenciono fazer o mesmo no segundo ano. Este ano lectivo terá apenas 3 unidades curriculares - uma obrigatória, uma optativa metodológica e uma optativa livre. Todo o trabalho será dirigido à produção da dissertação de Mestrado.
A unidade curricular obrigatória - Dissertação em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação - irá correr todo o ano e conduzirá a uma dissertação que será orientada pelo professor Gustavo Cardoso. O meu objectivo é fazer uma dissertação sobre "o valor económico e social da informação no quadro da sociedade em rede" e o que pretendo basicamente é tentar perceber se a transição para a sociedade em rede afectou o valor (económico e social) da informação e como. Será uma dissertação que começa por ser teórica, mas recorrerá à recolha de dados de várias fontes (secundárias e ou primárias) para produzir conclusões.
O projecto de investigação está descrito detalhadamente no trabalho sujeito a avaliação na cadeira de Desenho de Pesquisa, mas acho que anda não tinha publicado aqui este powerpoint que apresentei na aula e que basicamente resume aquilo que irei estar a estudar ao longo deste ano.
A unidade curricular obrigatória - Dissertação em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação - irá correr todo o ano e conduzirá a uma dissertação que será orientada pelo professor Gustavo Cardoso. O meu objectivo é fazer uma dissertação sobre "o valor económico e social da informação no quadro da sociedade em rede" e o que pretendo basicamente é tentar perceber se a transição para a sociedade em rede afectou o valor (económico e social) da informação e como. Será uma dissertação que começa por ser teórica, mas recorrerá à recolha de dados de várias fontes (secundárias e ou primárias) para produzir conclusões.
O projecto de investigação está descrito detalhadamente no trabalho sujeito a avaliação na cadeira de Desenho de Pesquisa, mas acho que anda não tinha publicado aqui este powerpoint que apresentei na aula e que basicamente resume aquilo que irei estar a estudar ao longo deste ano.
Os meus colegas e amigos jornalistas não irão gostar dos resultados esperados desta investigação, mas, em rigor científico e bom senso profissional, estes são mesmo os resultados que eu espero obter. Lamento pelo jornalismo e pelos jornalistas, mas espero que possa contribuir para ainda ir a tempo de despertar algumas consciências!
Como acho que já tinha escrito aqui, esta investigação começou por ser motivada pela procura de um novo modelo de negócio para os media. Mas entretanto tornou-se algo mais do que isso. As transformações em curso nas sociedades modernas são muito mais massivas do que isso! A desconstrução do modelo de negócio e da função institucional dos media tradicionais é apenas uma das suas consequências colaterais. É possível que venham a ser encontradas novas formas de institucionalizar a distribuição de informação em sociedade e até é possível que os jornalistas venham a ter um papel social relevante nessa institucionalização, mas isso será já num contexto radicalmente diferente daquele em que vivemos e (alguns de nós) trabalhamos.
Daqui resultará uma dissertação que terá no máximo 40 páginas, com um grande formalismo de apresentação, que será defendida num acto público perante um júri, à boa maneira académica.
Para a cadeira opcional de metodologias escolhi Análise de Redes em Ciências Sociais. Uma das partes do projecto trata precisamente disto e pretende analisar as redes sociais online como veículo de distribuição de informação e, ainda mais do que isso, tentar perceber de que forma o valor da informação aumenta ou diminui com a multiplicação de ligações permitida pela sociedade em rede. No trabalho para esta unidade curricular tentarei fazer uma aproximação a esse estudo. Obviamente é possível fazer um inquérito às pessoas e recolher a sua opinião sobre o seu próprio comportamento online, mas eu gostaria de ir mais além e de usar ferramentas e indicadores quantitativos para chegar lá. É para isso que quero esta cadeira.
Para a cadeira opcional livre ainda fui à procura de uma cadeiras que se chamava Corpos Tecnológicos, estive temporariamente inscrito numa interessante cadeira de Vigilância, Controlo e Identificação (que acabou por não se realizar) mas só enquanto não tive a confirmação que me podia inscrever em Modelos de Negócio e Economia do Software de Código Aberto, do mestrado en Software de Código Aberto. Naturalmente, é uma área completamente deslocada das que tenho frequentado até aqui (os colegas vêm quase todos de engenharia informática!), mas daqui pretendo tirar pelo menos três coisas: primeiro, um melhor conhecimento teórico e práticos sobre a construção e avaliação de modelos de negócio, para depois poder usar na minha dissertação; depois, um melhor conhecimento dos modelos de negócio alternativos aos dos media tradicionais, muitos deles open source, de forma a poder comparar uns com outros. Esta é ate ao momento a cadeira onde ainda estou mais perplexo, mas confio que a coisa irá a bom porto.
Houve outras novidades ao longo deste meses, mas sobre essas falarei mais tarde noutros posts.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Liquid life » Liquid media » Liquid surveillance
Este conceito de David Lyon - "Liquid surveillance" - é muito interessante e está bem explicado nesta interessante palestra o no livro com o mesmo título. Para Lyons, a cultura de vigilância que se está criar hoje em dia propaga-se - como um líquido viscoso - a todas as facetas do quotidiano.
O que me chamou à atenção foi que a mesma ideia de uma propagação líquida é expressa por Mark Deuze a propósito dos novos media e das implicações que eles podem ter no trabalho dos jornalistas. Deuze fala de "liquid media" e de "liquid work" como a forma certa de interagir com eles do ponto de vista dos jornalistas (algo que - como e notório! - ainda muito poucos jornalistas perceberam). Obviamente ambos vão buscar o conceito ao filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman, que fala de "liquid life" para a considerar um dos traços distintivos da modernidade.
Eu acho que aquilo a que eles chamam "liquid... all" é afinal uma manifestação da "pervasiveness" das novas tecnologias de informação e comunicação. O próprio conceito de "pervasiveness" não é fácil de traduzir e a aproximação de "ubiquidade" [se alguém conhecer alguma tradução melhor, sou todo ouvidos!] não lhe faz justiça, porque não inclui a ideia de que é algo que "se imiscui" naquilo que toca. "Ubíquo" é algo que está presente em todo o lado; "pervasive" é algo que se "cola", que se "imiscui", que se integra em tudo o que nos rodeia. Aquilo que é ubíquo tem limites definidos; aquilo que é pervasive não tem limites definidos.
Eu percebo porque é que a ideia de uma "liquid life", "liquid media" ou "liquid surveillance" ganhou tracção no estudo destas matérias. Por oposição a uma natureza física, a natureza líquida é mais flexível, propaga-se mais facilmente, recobre os objectos e os seres. Mas, desse ponto de vista, porque não a metáfora do gasoso? Não seria mais adequada? O que acontece - parece-me... - é que a ideia de uma realidade líquida permite ainda assim perceber os limites das coisas, permite "ver" onde elas começam e onde elas acabam (para além de "liquid" dar melhores títulos que "gaseous"...).
Mas a verdade é que é mesmo isso. A metáfora certa seria "gasoso" e não "líquido"! Desde o telégrafo que a informação se transmite pelo ar. É "airborne". Os seus limites não são visíveis e muitas vezes não são determináveis. E isso claro que assusta. Sobretudo a capacidade de análise dos académicos. Mas cruze-se a informação "gasosa" com o digital e portanto com a computação (computação quântica, já agora...) e teremos uma compreensão bastante aproximada de porque razão as tecnologias de informação e comunicação são "líquidas" e porque razão isso se reflecte na nossa vida social, no nosso trabalho, nos media, e também na vigilância. Porque não devemos esquecer - como muitas vezes fazemos - que informação é inteligência em estado de bit. Quando cruzamos informação com computação e a propagamos em estado fluído (líquido ou gasoso) ou em forma quântica, a "inteligência" recobre, naturalmente, todos as facetas da nossa vida individual e colectiva. Mas isso é outra discussão... to be continued.
Seja como for, os conceitos de Bauman, Deuze e Lyon estão no caminho certo e são profícuos em termos das pistas de investigação que deixam para quem nelas quiser pegar. O que é importante compreender é que, nos tempos que correm, os media, o trabalho nos media e a vigilância - entre outras coisas - não podem senão ser estudados na sua natureza fluída. Ou seja, não podem (bem, podem, mas é um desperdício) ser estudados nos quadros sujeito/objecto (ou mesmo agente/agenciado) tradicionais. É por isso que o conceito de "conteúdo" é tão descabido, assim como todos os conceitos derivados, como o de propriedade do conteúdo. O mundo fluido da informação digital impõe uma outra abordagem. O mesmo, penso eu, se aplica ao estudo da vigilância.
E esse é o outro ponto que gostaria de abordar: no video citado acima, David Lyon vai no caminho certo ao notar que os mecanismos e ferramentas de vigilância estão cada vez mais incorporados e incorporadas nos media que usamos e na forma como os usamos. E que muitas vezes a vigilância (intencional ou inadvertida) parte de nós e não de entidades externas. Mas - parece-me - não tira a consequência lógica que essa abordagem impõe: os estudos de vigilância precisam de abandonar o paradigma de que alguém escuta e alguém é escutado. A informação fluída .. flui. E nalgum ponto desse fluxo, ela pode interessar a alguém, solta ou agregada. Combinada ou descombinada. Essa fluidez põe em causa o papel de quem escuta e de quem é escutado como põe em causa também - como sugeri atrás - os papéis de agente e agenciado. Em todas as facetas da comunicação moderna e portanto também no estudo da vigilância. Como é que coloca em causa esses papéis (compreendo bem as consequências cientificas do que está dito!) não sei e penso que deve ser estudado. Precisamente!
Por isso é me parece que a parábola preferida (e tantas vezes repetida) dos estudiosos da vigilância - o "1984" de George Orwell - falha a percepção essencial do carácter líquido das novas formas de vigilância. E por isso é que, como já escrevi aqui antes, me parece que o modelo mais adequado para simbolizar o mundo em que vivemos seria o do "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley. As modernas tecnologias de informação e comunicação não estão ao serviço de uma ou mais entidades externas. Elas estão literalmente "agarradas" à vida quotidiana e é nesse contexto que devem ser estudadas. Em Orwell as tecnologias de informação e comunicação - que são tecnologias de dominação, como sempre foram - são uma ferramenta ao serviço de uns para vigiar outros. Sujeito e objecto são entidades separada. Um é agente o outro é agenciado. Em Huxley, pelo contrário, as tecnologias de informação estão integradas no tecido social e na vivência quotidiana dos indivíduos. E depois podem ou não ser apropriadas por entidades externas. Como são. Mas não nos devemos esquecer que também podem ser apropriadas pelos próprios indivíduos. Precisamente porque são fluídas Por isso é que, quando se dá o exemplo de Edward Snowden para demonstrar o perigo dessa apropriação no quadro da big data, o mesmo Snowden serve de exemplo de como os indivíduos podem exercer o mesmo poder usando precisamente as mesmas ferramentas. Como Manning também ilustra cabalmente.
Percebo muito bem as inquietudes que estão na base da maioria dos estudos de vigilância. Há matérias que devem ser estudadas porque a multiplicação das tecnologias de informação e comunicação levanta questões profundas e de resposta difícil. Mas - creio - não serve de nada estudá-las ou analisá-las num quadro estático. Isso só será útil se tiver em conta o carácter líquido das apropriações sociais das novas tecnologias de informação e comunicação.
O que me chamou à atenção foi que a mesma ideia de uma propagação líquida é expressa por Mark Deuze a propósito dos novos media e das implicações que eles podem ter no trabalho dos jornalistas. Deuze fala de "liquid media" e de "liquid work" como a forma certa de interagir com eles do ponto de vista dos jornalistas (algo que - como e notório! - ainda muito poucos jornalistas perceberam). Obviamente ambos vão buscar o conceito ao filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman, que fala de "liquid life" para a considerar um dos traços distintivos da modernidade.
Eu acho que aquilo a que eles chamam "liquid... all" é afinal uma manifestação da "pervasiveness" das novas tecnologias de informação e comunicação. O próprio conceito de "pervasiveness" não é fácil de traduzir e a aproximação de "ubiquidade" [se alguém conhecer alguma tradução melhor, sou todo ouvidos!] não lhe faz justiça, porque não inclui a ideia de que é algo que "se imiscui" naquilo que toca. "Ubíquo" é algo que está presente em todo o lado; "pervasive" é algo que se "cola", que se "imiscui", que se integra em tudo o que nos rodeia. Aquilo que é ubíquo tem limites definidos; aquilo que é pervasive não tem limites definidos.
Eu percebo porque é que a ideia de uma "liquid life", "liquid media" ou "liquid surveillance" ganhou tracção no estudo destas matérias. Por oposição a uma natureza física, a natureza líquida é mais flexível, propaga-se mais facilmente, recobre os objectos e os seres. Mas, desse ponto de vista, porque não a metáfora do gasoso? Não seria mais adequada? O que acontece - parece-me... - é que a ideia de uma realidade líquida permite ainda assim perceber os limites das coisas, permite "ver" onde elas começam e onde elas acabam (para além de "liquid" dar melhores títulos que "gaseous"...).
Mas a verdade é que é mesmo isso. A metáfora certa seria "gasoso" e não "líquido"! Desde o telégrafo que a informação se transmite pelo ar. É "airborne". Os seus limites não são visíveis e muitas vezes não são determináveis. E isso claro que assusta. Sobretudo a capacidade de análise dos académicos. Mas cruze-se a informação "gasosa" com o digital e portanto com a computação (computação quântica, já agora...) e teremos uma compreensão bastante aproximada de porque razão as tecnologias de informação e comunicação são "líquidas" e porque razão isso se reflecte na nossa vida social, no nosso trabalho, nos media, e também na vigilância. Porque não devemos esquecer - como muitas vezes fazemos - que informação é inteligência em estado de bit. Quando cruzamos informação com computação e a propagamos em estado fluído (líquido ou gasoso) ou em forma quântica, a "inteligência" recobre, naturalmente, todos as facetas da nossa vida individual e colectiva. Mas isso é outra discussão... to be continued.
Seja como for, os conceitos de Bauman, Deuze e Lyon estão no caminho certo e são profícuos em termos das pistas de investigação que deixam para quem nelas quiser pegar. O que é importante compreender é que, nos tempos que correm, os media, o trabalho nos media e a vigilância - entre outras coisas - não podem senão ser estudados na sua natureza fluída. Ou seja, não podem (bem, podem, mas é um desperdício) ser estudados nos quadros sujeito/objecto (ou mesmo agente/agenciado) tradicionais. É por isso que o conceito de "conteúdo" é tão descabido, assim como todos os conceitos derivados, como o de propriedade do conteúdo. O mundo fluido da informação digital impõe uma outra abordagem. O mesmo, penso eu, se aplica ao estudo da vigilância.
E esse é o outro ponto que gostaria de abordar: no video citado acima, David Lyon vai no caminho certo ao notar que os mecanismos e ferramentas de vigilância estão cada vez mais incorporados e incorporadas nos media que usamos e na forma como os usamos. E que muitas vezes a vigilância (intencional ou inadvertida) parte de nós e não de entidades externas. Mas - parece-me - não tira a consequência lógica que essa abordagem impõe: os estudos de vigilância precisam de abandonar o paradigma de que alguém escuta e alguém é escutado. A informação fluída .. flui. E nalgum ponto desse fluxo, ela pode interessar a alguém, solta ou agregada. Combinada ou descombinada. Essa fluidez põe em causa o papel de quem escuta e de quem é escutado como põe em causa também - como sugeri atrás - os papéis de agente e agenciado. Em todas as facetas da comunicação moderna e portanto também no estudo da vigilância. Como é que coloca em causa esses papéis (compreendo bem as consequências cientificas do que está dito!) não sei e penso que deve ser estudado. Precisamente!
Por isso é me parece que a parábola preferida (e tantas vezes repetida) dos estudiosos da vigilância - o "1984" de George Orwell - falha a percepção essencial do carácter líquido das novas formas de vigilância. E por isso é que, como já escrevi aqui antes, me parece que o modelo mais adequado para simbolizar o mundo em que vivemos seria o do "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley. As modernas tecnologias de informação e comunicação não estão ao serviço de uma ou mais entidades externas. Elas estão literalmente "agarradas" à vida quotidiana e é nesse contexto que devem ser estudadas. Em Orwell as tecnologias de informação e comunicação - que são tecnologias de dominação, como sempre foram - são uma ferramenta ao serviço de uns para vigiar outros. Sujeito e objecto são entidades separada. Um é agente o outro é agenciado. Em Huxley, pelo contrário, as tecnologias de informação estão integradas no tecido social e na vivência quotidiana dos indivíduos. E depois podem ou não ser apropriadas por entidades externas. Como são. Mas não nos devemos esquecer que também podem ser apropriadas pelos próprios indivíduos. Precisamente porque são fluídas Por isso é que, quando se dá o exemplo de Edward Snowden para demonstrar o perigo dessa apropriação no quadro da big data, o mesmo Snowden serve de exemplo de como os indivíduos podem exercer o mesmo poder usando precisamente as mesmas ferramentas. Como Manning também ilustra cabalmente.
Percebo muito bem as inquietudes que estão na base da maioria dos estudos de vigilância. Há matérias que devem ser estudadas porque a multiplicação das tecnologias de informação e comunicação levanta questões profundas e de resposta difícil. Mas - creio - não serve de nada estudá-las ou analisá-las num quadro estático. Isso só será útil se tiver em conta o carácter líquido das apropriações sociais das novas tecnologias de informação e comunicação.
terça-feira, 16 de julho de 2013
O capital social na era das redes sociais online
Confesso que não conhecia em profundidade o conceito de capital social, o que obviamente era uma lacuna importante uma vez que se trata de um conceito central em sociologia. Conhecia o seu sentido superficialmente, mas agora fiquei a conhecer muito melhor todas as suas vertentes (e até as suas várias acepções). E, como é óbvio, há mudanças importantes no tipo de relacionamento social que se estabelece entre os indivíduos que têm impacto sobre a formação de capital social. Impactos qualitativos e quantitativos.
Este é um tema difícil e a impressão que me ficou foi que ainda há muito por estudar. Mas há duas ideias que gostaria de destacar. Primeiro, a participação nas redes sociais online está longe, muito longe de ser uma futilidade. Obviamente, estas são redes diferentes das redes tradicionais. Mas não são menos importantes ou - aquilo que realmente me interessa neste estudo - menos valiosas para os indivíduos. Isso torna-se evidente quando as analisamos usando um prisma diferente daquele a que recorremos para analisar as redes tradicionais. Um "amigo" do Facebook é diferente de um primo ou um irmão. Mas não é necessariamente menos importante do ponto de vista social. E pode ser tão ou mais valioso do ponto de vista social. Uma das razões é porque há aqui dois elementos das redes sociais online que são determinantes em introduzir a diferença: a quantidade incomparavelmente mais abundante de ligações mediadas e o facto de poderem transpor as contingência de espaço e tempo. Portanto, desse ponto de vista, a investigação feita para este trabalho foi frutuosa e serviu os objectivos que tinha inicialmente para ele (em termos de análise do valor social da informação)
Mas há outra ideia que eu também queria destacar e que neste trabalho acabei por apenas aflorar superficialmente: a multiplicação de relações sociais e a transversalidade espacio-temporal das mesmas coloca os indivíduos perante novos tipos de filiações sociais que transcendem as limitações geográficas, nacionais, etárias, familares ou outras. Ou seja, toda aquela sorte de critérios que costumavam sedimentar (e ainda sedimentam) as relações sociais não mediadas. E o que parece - sinceramente - é que é isso mesmo que explica as convulsões sociais que temos vindo a presenciar um pouco por toda a parte (e para as quais se procuram futilmente "razões próximas"). Parece haver aqui um desconforto, um desajustamento, entre a realidade "real" dos indivíduos e a realidade "virtual" das suas relações sociais online. Eu lembro-me de ter achado - com Baudrillard, por exemplo - que havia um desfasamento traumático de base entre aquilo que a sociedade de consumo nos impunha como aspiração social e aquilo que a realidade económica nos permitia. Sempre achei que esse trauma seria o "combustível" de alguma coisa. Pois bem, hoje em dia, o desfasamento traumático entre as limitações da nossa realidade "real" e as potencialidade da nossa realidade "virtual" é ainda maior. Está por provar que seja isso - ou algo parecido com isso - que está na base das convulsões sociais em que vivemos. Mas essa hipótese deve ser estudada (o que, por si só, repare-se, "obriga" a pôr de lado, desde logo, todas as referidas "razões próximas").
No fundo, o que isto significa é que há aqui movimentos tectónicos profundos das formas de sociabilidade dos indivíduos e do tipo de relações sociais que se estabelecem entre eles. Essas mutações profundas têm provavelmente múltiplos efeitos, sendo que um deles pode bem ser a construção de sociedades (ou sociedade) mais justas, mais fraternas e mais solidárias. Isto, obviamente, está para lá do âmbito restrito do trabalho que pretendo fazer neste mestrado, mas, bem vistas as coisas, pode também ser um elemento a ter em conta numa análise do valor social da informação. Não para os indivíduos, mas para a sociedade como um todo. Ou seja, o conceito de capital social é instrumental, mas podemos igualmente analisar as potencialidades comunicativas da sociedade em rede como um elemento de crescimento e amadurecimento das sociedades humanas. O que nos leva em direcção a teorizações como a da "civilização empática" de Rifkin ou a ficções como o "Admirável Mundo Novo" de Huxley.
O trabalho apresentado à cadeira de Redes Sociais Online - que não contém estas reflexões mas suscitou-as - pode ser lido ou descarregado na minha área do academia.edu ou aqui:
segunda-feira, 15 de julho de 2013
A (des)regulação da internet
Para a única cadeira opcional do 1º ano de mestrado escolhi a unidade curricular "Política e Regulação dos Média". A ideia - mais uma vez - era fazer uma espécie de "antes-e-depois" para perceber o que mudou na comunicação com o surgimento da internet. Neste caso, o que mudou em termos de regulação da função social da comunicação. O que me interessava não era tanto (ou não era apenas) a regulação formal, mas também a regulação informal da comunicação. Por exemplo, a crença de que deve haver um serviço público de televisão ou a exigência que a conduta dos jornalistas deva ser sujeita a um código deontológico que, entre outras coisas, se destina a proteger a sua objectividade são duas formas de regulamentação formal que cada sociedade implementa ao seu jeito. Mas elas simultaneamente alimentam e alimentam-se de uma ideia geral sobre os mecanismos pelos quais se deve reger a distribuição social de informação que tem algo de informal e que se encontra interiorizada em cada um de nós. Quando falamos de "televisão" ou quando falamos de "jornalismo" formamos uma ideia do que estamos a falar que é ela própria uma instituição social. Ou seja, os conceitos de "televisão" e "jornalismo", por exemplo, são tanto instituições sociais como o são a Lei da Televisão ou o Código Deontológico dos Jornalistas (entre outros "códigos" atinentes). Aliás, estes são emanações daqueles. Tanto as instituições formais - as leis e as entidades reguladores - como as instituições informais - a ideia social subjacente - são formas de institucionalizar socialmente a distribuição de informação. São modos de organizar os recursos sociais para produzirem um fim, que é assegurar a distribuição social da informação.
Neste trabalho, o que me preocupava não eram as instituições formais - as leis ou as entidades reguladoras - mas sim a forma de institucionalizar socialmente a distribuição de informação. Porque falhamos o essencial se, ao seguirmos a desregulação introduzida pela internet, olharmos para as instituições formais - as leis - e não para as instituições informais - os modos de organizar socialmente a distribuição de informação: através de televisões privadas ou publicas (ou ambas); com respeito estrito pela objectividade ou sem ele; etc.
Por isso o que fiz foi tentar identificar os valores sociais subjacentes à regulação tradicional, enumerar as transformações colocadas em cena pelas comunicação digital e depois ver de que modo é que esses valores podiam ou não ser regulados na nova realidade comunicativa.
O resultado desiludiu-me um pouco. Primeiro porque o problema se revelou mais complexo do que eu antecipava e, segundo, porque tive muito menos tempo para fazer este trabalho do que gostaria de ter tido. Serviu pelo menos para concluir que provavelmente não chega alargar o âmbito da regulação para instituições formais de âmbito transnacional (como tem sido regra). Essas formas de regulação em geral não funcionam (demoram tempo e têm uma aplicabilidade reduzida) nem podem funcionar (o problema é de outra natureza). De certa forma, as tentativas de regulação deste sector - sejam nacionais ou transnacionais - têm usado as mesmas ferramentas e instrumentos que eram usados para regular os mass media perante uma comunicação social cuja transformação é radical na passagem do analógico para o digital. Esse é um erro básico de perspectiva que não espanta nos reguladores porque na realidade está também dentro das nossas cabeças: quando discutimos se um blogue pode ser considerado jornalismo ou se é ou não correcto copiar um ficheiro MP3 estamos a aplicar à realidade "líquida" da era digital as categorias de análise (e portanto também de regulação) "sólidas" da era analógica.
domingo, 14 de julho de 2013
Porquê estudar o valor da informação?
Na cadeira de Desenho de Pesquisa, é-nos pedido que desenhemos o plano de pesquisa para a investigação que queremos fazer neste mestrado e que deverá culminar na dissertação de mestrado. Para mim isto foi relativamente simples, uma vez que aquilo que pretendo investigar já está (já estava) bastante bem definido dentro da minha cabeça e também porque, salvo uma ou duas excepções, tenho conseguido "ligar" o trabalho feito em cada uma das cadeiras com o objectivo final da investigação que pretendo fazer no mestrado.
Esta investigação prende-se o valor social e económico da informação e o trabalho abaixo explica detalhadamente o porquê da escolha deste tema, os métodos que serão seguidos e as hipóteses de estudo. Mas eu queria destacar aqui um uma ou duas ideias principais e apontar para as conclusões esperadas.
Eu sempre achei que os meios de comunicação social tinham um peso decisivo na vivência social e na construção da cidadania. Em parte foi por isso que escolhi estudar e trabalhar em jornalismo. Aliás, já repeti mais do que uma vez que, na época, jornalista, médico e juiz eram aqueles 3 papéis que para mim eram mais do que meras profissões; eram missões!.
Por outro lado, desde cedo percebi também que o surgimento da internet alterava profundamente o papel e a relevância social dos meios de comunicação. A princípio parecia-me que isso tinha a ver com o seu modelo de negócio e que, uma vez encontrado um novo modelo de negócio, o equilíbrio seria reestabelecido, provavelmente com outros actores, mas proporcionando o mesmo resultado: assegurar a distribuição social de informação. Esta é aliás, provavelmente, a tese dominante actualmente.
Mas, ultimamente, tenho olhado cada vez mais para a distribuição social de informação pelo prisma analítico das suas instituições. Ou seja, aquilo a que nós chamamos mass media - os jornais, as revistas, as televisões - são formas institucionais de distribuir informação socialmente relevante. E aliás, são formas institucionais grandemente regulamentadas (de diversas formas) e profundamente "historicizadas". O que está a acontecer actualmente - parece-me - é uma construção social de novas instituições para fazer a mesma coisa, sendo que este processo está apenas no princípio. Obviamente, essa construção far-se-á com avanços e recuos, com viragens à direita ou à esquerda, consoante as forças sociais e económicas em colisão. Mas far-se-á inevitavelmente. Este trabalho é sobre isso. Mas, por isso mesmo, não pretendo que se restrinja ao modelo de negócio dos mass media (embora isso já fosse tarefa importante!). O que quero é compreender as formas sociais que escolhemos para distribuir informação e de que forma e que elas mudaram na transição para a sociedade em rede alimentada por tecnologias digitais. Ou seja, é um tema vasto - com duas vertentes bem claras, a económica e a social - mas que pode ser circunscrito às hipóteses e aos métodos de pesquisa descritos neste trabalho.
Queria também falar das conclusões esperadas. Basicamente porque quando estava a projectar a pesquisa, elas assustaram-me um pouco. Mas - sinceramente - são aquelas que penso que esta investigação irá produzir:
Esta investigação prende-se o valor social e económico da informação e o trabalho abaixo explica detalhadamente o porquê da escolha deste tema, os métodos que serão seguidos e as hipóteses de estudo. Mas eu queria destacar aqui um uma ou duas ideias principais e apontar para as conclusões esperadas.
Eu sempre achei que os meios de comunicação social tinham um peso decisivo na vivência social e na construção da cidadania. Em parte foi por isso que escolhi estudar e trabalhar em jornalismo. Aliás, já repeti mais do que uma vez que, na época, jornalista, médico e juiz eram aqueles 3 papéis que para mim eram mais do que meras profissões; eram missões!.
Por outro lado, desde cedo percebi também que o surgimento da internet alterava profundamente o papel e a relevância social dos meios de comunicação. A princípio parecia-me que isso tinha a ver com o seu modelo de negócio e que, uma vez encontrado um novo modelo de negócio, o equilíbrio seria reestabelecido, provavelmente com outros actores, mas proporcionando o mesmo resultado: assegurar a distribuição social de informação. Esta é aliás, provavelmente, a tese dominante actualmente.
Mas, ultimamente, tenho olhado cada vez mais para a distribuição social de informação pelo prisma analítico das suas instituições. Ou seja, aquilo a que nós chamamos mass media - os jornais, as revistas, as televisões - são formas institucionais de distribuir informação socialmente relevante. E aliás, são formas institucionais grandemente regulamentadas (de diversas formas) e profundamente "historicizadas". O que está a acontecer actualmente - parece-me - é uma construção social de novas instituições para fazer a mesma coisa, sendo que este processo está apenas no princípio. Obviamente, essa construção far-se-á com avanços e recuos, com viragens à direita ou à esquerda, consoante as forças sociais e económicas em colisão. Mas far-se-á inevitavelmente. Este trabalho é sobre isso. Mas, por isso mesmo, não pretendo que se restrinja ao modelo de negócio dos mass media (embora isso já fosse tarefa importante!). O que quero é compreender as formas sociais que escolhemos para distribuir informação e de que forma e que elas mudaram na transição para a sociedade em rede alimentada por tecnologias digitais. Ou seja, é um tema vasto - com duas vertentes bem claras, a económica e a social - mas que pode ser circunscrito às hipóteses e aos métodos de pesquisa descritos neste trabalho.
Queria também falar das conclusões esperadas. Basicamente porque quando estava a projectar a pesquisa, elas assustaram-me um pouco. Mas - sinceramente - são aquelas que penso que esta investigação irá produzir:
- O modelo de negócio dos mass media está esgotado e não pode ser recuperado no quadro da sociedade em rede
- O modelo de negócio dos novos media da sociedade em rede depende de uma escala global e só existe em função dela (o que explica a tendência para um só operador por sector)
- Contribuir para uma investigação mais abrangente sobre formas alternativas de atribuir valor à informação no quadro da sociedade em rede, considerando que o modelo actual está esgotado e é preciso encontrar um modelo alternativo que garanta as funções sociais de distribuição de informação dentro de parâmetros de racionalidade económica e relevância e adequação social.
Este último é obviamente o resultado mais importante que esta investigação pode produzir, mas é também o mais ambicioso e difícil. Por isso é que está projectado apenas como um contributo. Não espero com o trabalho desenvolvido neste mestrado responder a essa questão - formas alternativas (e sustentáveis) de garantir a distribuição social de informação na sociedade em rede - mas espero, com a investigação sobre o papel dos mass media vs. new media, poder contribuir para esse objectivo.
O trabalho que descreve em pormenor o meu projecto de pesquisa pode ser lido na íntegra na minha área do academia.edu ou aqui:
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